Clara gritava e balançava os braços desesperadamente. O carro não diminuiu o farol e veio devagar. Clara se levantou, foi dar seu primeiro passo quando viu que o carro não ia parar. Era uma caminhonete vermelha, passou como se não os percebesse. Clara pôde ver que um homem dirigia. Quando a caminhonete passou, viu uma corda amarrada na traseira e atrás da corda o Fiat 66 sendo rebocado com uma mulher guiando. Os braços de Clara pararam no ar, apenas o rosto acompanhou a ida dos dois carros e, acima deles, no horizonte, o dia raiando. Ela não emitiu um som, não gritou, não esbravejou. Apenas olhou para Rodrigo desacordado, ou dormindo....decidiu, colocou sua jaqueta em cima dele e começou a caminhar em direção à cidade. Seus joelhos sentiam o peso do corpo mais do que sentiriam normalmente. Os pés doíam, o corpo amolecia...ela não estava mais ali. O rosto sem expressão galgava passos cambaleantes...ela seguiu. Encontrou, por fim, um bar quando o sol já se mostrava.
Chegou e seu corpo se deixou cair no balcão em cima dos cartões promocionais. As poucas pessoas que lá estavam pararam de mastigar seus pães de queijo...apenas olhavam o estado deplorável da jovem. O dono do bar se aproximou, deu uma tocada no ombro dela – moça...ei moça..que que aconteceu? Clara ergueu len-ta-men-te o rosto, se olhou e, antes que pudesse responder, viu grudado em sua mão o folheto do restaurante de sua amiga...parou, olhou e virou para o dono:
- Telefone - Foi o que conseguiu dizer. O homem apontou para o orelhão ao lado do caixa.
Ela foi, ligou a cobrar, trocou rápidas palavras com quem estava na linha, desligou e saiu cambaleando. As poucas pessoas que estavam no bar se olharam e voltaram a mastigar seus pães de queijo. Clara esperou Alice chegar no posto ao lado. Não demorou muito e uma buzina. Era Alice:
- Meu deus do céu menina, que que te aconteceu? – Alice ergueu pelo queixo o rosto pálido de Clara e jogou seu cabelo para trás. Clara fracamente pronunciou:
- Depois te explico...temos que pegar uma pessoa na estrada.
Alice ajudou Clara a entrar em seu carro, entraram na estrada e em pouco tempo viram o corpo de Rodrigo estendido no mesmo lugar em que estava. Rodrigo não conseguia se mexer, apenas seus olhos semi-abertos puderam acompanhar o carro, as pernas e seu corpo sendo erguido. Com esforço, Alice conseguiu colocá-lo no carro. Seus olhos viram os de Clara e os dois se fecharam juntos.
* * *
Rodrigo abriu os olhos, estava num quarto bem decorado, de moletom, limpo e desnorteado. Colocou-se na beira da cama, passou a mão no rosto, voltou ao mundo, levantou, foi até a janela e viu um bonito jardim. Ouviu vozes vindo da sala, saiu do quarto e, seguindo o som pela longa casa, entrou na sala:
- Olha que está aí – falou uma mulher que ele desconhecia. Jovem, loira e bonita.
Clara estava com ela no sofá da sala. Bem vestida, arrumada e aparentemente saudável. Clara levantou feliz e deu-lhe um abraço:
- Como você se sente?
- Bem
- Que bom, essa é a Alice, amiga de quem eu lhe falei. Foi ela quem nos resgatou.
- Nossa, não lembro de nada.
- Tudo bem – interveio Alice – o que importa é que estamos todos bem. Vamos tomar café.
- Que dia é hoje? - perguntou Rodrigo. Era um bonito dia.
- Hoje é quarta e são oito da manhã...você dormiu a terça inteira e ficou só no soro, tá na hora de comer alguma coisa – disse Alice com seu jeito divertido.
Comeram uns biscoitos, uma frutas, café, leite, tudo estava muito bom.
- Rodrigo, Clara me contou um pouco dessa história de vocês...que loucura hein, mas pode ficar tranqüilo que tenho uma vaga pra você lá no restaurante e, por enquanto, você pode ficar por aqui enquanto não arruma um lugar para ficar – Alice era uma ótima pessoa.
- E você Clara? – perguntou Rodrigo um pouco triste.
- Bom, eu vou embora.
- Pra onde?
- Primeiro, pra rodoviária – disse rindo e passando a mão no rosto dele – você vai ficar bem, tenho certeza.
Rodrigo não respondeu, acreditava no fundo que pudessem ser felizes em uma casinha no interior do Mato Grosso. Queria a companhia de Clara, mas esqueceu de compartilhar com ela. A comida desceu arduamente, ele olhava Clara com um brilho diferente nos olhos e um sorriso que não vira há muito. Curtiu o momento daqueles dentes a mostra. Ela parecia tão dona de si...Rodrigo desejava ser daquele jeito...desejava aprender a ser daquele jeito...mas continuou calado.
- Bom gente, tenho que ir ao restaurante. Clara, não posso te levar na rodoviária, mas te deixo no ponto de ônibus, tudo bem? E Rodrigo, tem umas roupas lá em cima para você. Vista uma delas e vamos comigo, já vou te mostrar algumas coisas do seu novo emprego.
Eles entraram no carro, Rodrigo em silêncio, as moças conversando. Logo estavam no ponto de ônibus. Um aperto desolador comprimiu o peito de Rodrigo, o acaso que o fizera conhecer aquela pessoa, que o fizera apaixonar-se, que o trouxera àquele lugar e lhe dera uma vida diferente agora escorria pelas mãos com uma naturalidade incrível. Desceram do carro. Clara deu um longo abraço em Alice, trocaram palavras, Clara agradeceu por tudo. Depois virou em direção a Rodrigo, ele estava paralisado...queria falar, queria segurá-la. Um longo abraço nele:
- Se cuida viu! – ele esperava muito mais
- Tá! Pode deixar...Obrigado por tudo. Você é uma pessoa maravilhosa...vou te ver ainda..pode ter certeza...não vai ser fácil ficar sem você.
Clara sorriu, passou a mão no seu rosto.
- Fica tranqüilo...tchal.
Ela deu sinal para o ônibus, subiu e acenou se afastando...não teve beijo...não teve choro...apenas o fim daquilo tudo.
* * *
Clara não desceu na Rodoviária, parou no primeiro posto da rodovia. Caminhou a passos lentos e olhar distante. Entrou na lanchonete do posto, pediu uma água e começou a bebê-la. Ouviu então uma voz feminina atrás dela:
- Corajosa você hein moça...levou a cabo o prometido.
Clara continuou olhando pra frente, deu um gole da água e depois um leve riso.
- Corajosa? Eu? Que é isso...eu não tenho a coragem de comer bolacha Maria de calcinha e sutiã na varanda do apartamento – e se virou.
Estava lá... Judite, com aquele corpo esbelto...abriu um sorriso e sentou-se à mesa.
- Onde esta seu namorado? Perguntou Clara olhando para fora.
- Olha ele lá entrando – apontou Judite para a porta.
Clara virou novamente e viu a figura altiva do homem caminhando levemente com uma cerveja na mão. Ele chegou, sentou do lado de Judite, deu lhe um beijo:
- E ae Clarinha! Tudo bem? Que sufoco hein! Exclamou o homem.
- Tudo foi só um momento de dificuldade, mas você está muito bem para um homem morto Dudu – falou Clara rindo.
- Pois é, não foi fácil não, achei que não conseguiríamos.
- Você me ensinou bem a atirar na cartucheira...fiquei com medo de verdade de você não ter trocado as balas.
- Relaxa, deu tudo certo no fim das contas.
- E agora, o que vão fazer? – perguntou Clara – Vai dizer que vocês vão pro interior do Recife...quase ri com essa.
- Vamos pra Bahia, acho lá é um lugar bom, podemos nos ajeitar lá com esse dinheirinho da Judite. E você?
- Ainda não sei...essa história de Recife me fez pensar...acho que vou pra lá, mas não agora.
Eles se levantaram, saíram e caminharam até os carros. Dudu foi até a caminhonete vermelha, abriu a porta, tirou a bolsa já conhecida de dentro e entregou-a a Clara. Ela deu uma olhada, viu as notas de cem reluzentes:
- Obrigado pela carona ontem viu – disse Clara colocando a bolsa de volta no carro.
- Por nada! O mérito foi todo seu disso tudo. Sabe, eu ficava me perguntando que magia que essa menina tem que consegue cativar as pessoas. O rapaz ficou louco por você.
- É, apesar de eu ter me tornado mais astuta, continuo como antes! Disse Clara, sem jeito – Então, até Dudu, boa sorte pra ti...e vê se da próxima vez não fala para os fugitivos me ligarem – deu uma boa risada.
- Só se for por uma causa nobre.
Eles se despediram. Dudu entrou com Judite no Fiat 66. Clara entrou na caminhonete, colocou um óculos escuro, ligou o som, o carro... buzinaram um para o outro e seguiram em direções contrárias, cortando suas próprias estradas.
FIM
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Muito obrigado aos meus seis leitores.
Abraços