Bueiros paulistanos inspiram vozes destiladas..

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17 de julho de 2007

A magia Clara (IV) - O Rumo do bote

Os passos vinham da varanda, o assoalho rangia bem devagar. A parede de madeira era o que dividia Clara do alguém que estivesse lá fora. Ela se encolheu segurando o cobertor. Sabia que não tinham encontrado ninguém no caminho, tão pouco na casa. Estavam a mais de meia hora de qualquer casa ou presença humana, se alguém tivesse chegado com certeza ouviriam, a menos que este tenha vindo a pé pela estrada ou pelo canavial da divisa. Sutilmente Clara se esgueirou e bateu no pé de Rodrigo, este envolvido na escuridão da enorme sala mal pode ver o rosto de Clara com o dedo indicador na boca pedindo silêncio. Ele a olhou, ergueu o tronco e pode ouvir os passos lá fora. Ela o olhou sem saber o que fazer, tomada pelo medo segurou seu braço. Sem fazer barulho Rodrigo caminhou em direção a porta, ao lado dela jazia um arpão enferrujado com fisgas afiadas. Antes de pegá-lo viu a cartucheira antiga na parede. Não sabia se funcionava, muito provavelmente não, ele a pegou, manteve ereta no centro do peito segura pela mão direita e com a esquerda deu uma leve erguida na cortina tentando ver alguma coisa. Clara, encolhida ao pé da lareira, viu a metade do rosto austero de Rodrigo observando a varanda. Um vulto negro caminhava a passos lentos com a mão na parede da casa. Pelo porte físico era um homem, alto e forte, jaqueta e botas.
- Quem está aí? – falou Rodrigo com o olhar fixo na silhueta.
O homem do lado de fora parou de repente. Um bumbo soava no peito de Rodrigo, ele tremia para segurar a arma. O silêncio foi a pior das respostas, nada audível vinha do lado de fora naquele momento.
- Quem está aí? – repetiu – Eu estou armado, quem é você?
Nada, a figura não respondeu. Começou a se afastar a passos largos. Sumiu do campo de visão de Rodrigo e calou os passos. O vácuo existente entre a varanda e sala fazia pulsar nas veias os corações aflitos dos jovens. Nada, nem sinal do ser que rondava a casa. Tinha ido embora, a conclusão era bem vinda. Rodrigo relaxou os punhos da arma e caminhou na direção de Clara:
- Esta tudo bem! – afirmou com medo – Ok, ok já foi, devia ser um louco andarilho – falou agachando, dando um abraço em Clara e segurando com a mão livre seu pescoço.
Permaneceram abraçados até que se acalmassem as respirações. Rodrigo a deitou no chão, buscou o travesseiro, colocou em baixo da cabeça e a recostou ternamente. Passou a mão em seu rosto e viu Clara buscando no fundo dos seus olhos o conforto da nudez despreocupada na sacada. Se aproximaram, olhares fixos, trocas de medo, invasão de sentimento... cumplicidade.
Boom... num golpe só a porta foi arrombada, do canto da sala Clara e Rodrigo puderam ver a forma viril do homem parar, olhar, avistar e com os braços arquejados firmar o primeiro passo em direção a eles. Rodrigo se virou deixando Clara atrás dele. A figura grande deu passos decididos e rápidos em direção aos dois. Sem nenhuma reação, Rodrigo foi atingido por um chute no rosto, rolou de lado atordoado. A figura estava obstinada, foi até ele e começou a esmurra-lo com grande raiva. Ele tentava se defender da melhor maneira. Clara, imobilizada pelo medo, avistou a cartucheira no pé do algoz, não viu...foi. Os socos bramiam do rosto de Rodrigo, o sangue na penumbra era negro. Clara pegou a arma, foi ao gatilho....Pá!!! o estampido ecoou pela sala, pelos cabelos, pelo corpo, saiu pela porta remoendo os canaviais. A coruja levantou vôo e foi para o escuro. O barulho seco do corpo caído no assoalho da casa fez Clara com os olhos esbugalhados, úmidos e vermelhos levar a mão na boca. O corpo descansou ao lado do tapete de onça. Dois entes unidos pela agudez do mesmo gatilho e deitados no mesmo lugar. A cabeça boquiaberta da figura se mostrou na fresta de luz aos olhos de Clara. Ela em choque, tremendo e soluçando viu um rosto assustador, um rosto fúnebre, um rosto dominado, um rosto suave, um rosto calmo, um rosto conhecido...o rosto de Dudu.
- Nããão...- o grito de Clara rasgou o vento, o céu e as estrelas.
Dudu pegara, pelos punhos da moça que ria com a boca para o céu, o rumo a seguir eternamente no bote.
.
.
continua

3 comentários:

GNovo disse...

Aê, Machadinho, estou gostando de ver... ou melhor, ler.

A trama está se desenrolando e, ao mesmo tempo, se enrolando mais... "E agora, José?", me pergunto.

Mas como vinha dizendo, estou gostando de ler. Muito bem amarrado os "capítulos", coisa de quem sabe o que está fazendo. Você sabe o que está fazendo? rs...

A história ainda vai longe... ainda bem.

Forte amplexo.

PS: taca farinha, Vitão!

Vitor Machado disse...

Pois é meu caro Gustavo,
Sinceramente não sei o desenrolar desta história....
É assim que é interessante. Como você bem sabe, já que é um exímio escritor pelo que produz em seu blog. No momento em que começamos a escrever mergulhamos num universo sem controle, ao contrário do que se pensa, o texto toma forma sem que percebamos e é desta maneira que estou levendo a trama....
Nada de previsões para Clara e Rodrigo....as coisas acontecerão a eles sob a égide do acaso...esseé o meu grande barato....

Forte amplexo..
vitor machadinho

Anônimo disse...

Obrigado por Blog intiresny

O lado de dentro...sublime

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