Bueiros paulistanos inspiram vozes destiladas..

Bueiros paulistanos inspiram vozes destiladas..

24 de setembro de 2007

Viva!!! A sã descoberta.

Ofereço este texto a um nobre amigo.


Personagens

Breton (31 anos)
Nicolau (21 anos)
Raul (20 anos)
Glória (21 anos)
Virgínia (24 anos)

Cenário:
Ponte Cruzeiro do Sul, marginal Tietê, São Paulo.

Ato único

Cena 1

Estão os cinco debruçados no parapeito da ponte, olhando o rio Tietê. Breton e Glória de mãos dadas, ele fumando compulsivamente, ela arrumando o cabelo periodicamente. Virgínia, quieta, observando algumas manchas no rio. Raul com uma garrafa de vinho em uma das mãos e um cigarro em outra e Nicolau com tiques de passar a mão na cabeça.

BRETON: Não acho que seja assim a vida, as pessoas têm consciência do que fazem, existe uma ética de querer o bem independente de religião. A alma é boa em si só.
RAUL: (dando um gole) Por que você tá falando isso? A gente tá falando do filme que passou ontem.
BRETON: Porque é isso. Você não acha?
RAUL: Sei lá. Não quero pensar nisso agora.
BRETON: (exaltado): Tá com preguiça de pensar! Por isso que você num faz porra nenhuma, num pensa também.
RAUL: (assustado): Você tá bem Breton? Você tá tremendo. Não acho que seja assim também. É que a gente tava falando do filme e você vem com esse papo.
VIRGÍNIA: Eu acho, sabe Ni, que isso aqui é uma visão bonita. Apesar de não parecer, reflete muitas coisas.
GLORIA: É mesmo bem, você está tremendo.
BRETON: Olha o que tá tremendo aqui (segura o saco). Eu tô aqui falando de uma coisa que, se vocês não perceberam, trouxe a gente e o ser humano até os dias de hoje.
NICOLAU: Olha isso, um monte de lixo, o cheiro de podre, carniça, é uma das piores coisas de se ver. É o reflexo da degradação da humanidade. Credo, não sei como você consegue ver beleza nisso.
RAUL: Como assim, trouxe o ser humano até aqui? Que merda é essa que você está falando?
VIRGÍNIA: Mas é aí que está a grande jogada Nicolau. É lindo ver como a humanidade chegou até aqui. Á beleza no podre. Olha só, milhares e milhares de anos, de descobertas, de ciência e um monte de coisa que a humanidade criou e hoje ela se questiona sobre poluição. Não é lindo isso? Eu acho demais.
NICOLAU: Acho que eu não entendi, mas é feio, tô vendo e é feio. Esse papo aí de poluição é foda também. Deve ter merda nossa aí em baixo, você não acha?
BRETON: Puta que o pariu Raul (acende um cigarro). Imagina só, lá no Japão, há muito tempo atrás, eles sempre respeitaram a natureza e uns aos outros. Tinha aquele lance de honra, de tirar o dedinho fora. Isso é respeito Raul, a alma do japonês é mais sincera.
RAUL: Eita, agora que eu não entendi nada. Acho que você tá meio louco.
VIRGÍNIA: Noooossa, sabe que eu não tinha pensado nisso. Que legal, tem merda de São Paulo inteira aí dentro. Quanta merda, isso aqui é uma mina de merda. Riquíssima em matéria orgânica. Tô até emocionada. Imagina só, todo esse rio tem merda que um dia foi de alguém, de pedreiro, de porteiro, de madame, de professor, de camelô, de patricinha, de estudante, de ladrão...e tão todas elas lá, passando uma do lado da outra sem complicação...que demais...
(levanta e grita) VIVA A DEMOCRACIA DAS MERDAS!!!!
GLÓRIA: Ih, tá doidona a Virgínia.
BRETON: Fica quieta Glória!
RAUL: Isso.
BRETON: A alma é desprendida disso tudo. Ela não faz juízo de valores, é universal Raul, os japoneses eram hierárquicos na sociedade, mas respeitavam a alma dos outros. Você nunca viu caras importantes se curvarem diante de camponeses. Isso é respeito, Raul, as almas são um caso à parte.
RAUL: Puta!! Que legal, acho que entendi o que você ta dizendo.
VIRGÍNIA: Viva a democracia das merdas!!!
NICOLAU: Bacana esse seu raciocínio, hein, Virgínia. As merdas são francesas. “Libertê, igualitê e fraternitê”.
VIRGÍNIA: Viva a democracia das merdas.
RAUL: Se as merdas são francesas, as almas são japonesas. (brado) Viva a democracia das almas!!!!
GLÓRIA: Viva!!
BRETON: (brado) Viva a comunhão das almas com as merdas!!!!
NICOLAU: Viva o Igualitê de la merdê!!!! E a merda do Tietê!!!
GLÓRIA: E a alma do japonês da feira.
VIRGÍNIA: E nossas merdas e nossas almas que estão aqui em baixo no Tietê!!!!
NICOLAU: Viva o Tietê!!!
GLÓRIA e BRETON: Viva o Tietê!!
RAUL e NICOLAU: Viva o Tietê!!!
TODOS: (brado) Viva o Tietêêêê!!!! Tietêêê...Tietêêêê




Cena 2


Virgínia e Breton andando na rua, abraçados, ambos com garrafas de vinho nas mãos.


VIRGÍNIA: (ergue a garrafa) Viva!! Viva o Tietê
BRETON: Merdêê!!!
VIRGÍNIA: Ehhhh
(silêncio)
VIRGÍNIA: Não achei que eles teriam coragem de pular no rio.
BRETON: Se a gente teve, por que eles não teriam? Sabe Virgínia, eu tô tão feliz.
VIRGÍNIA: Sabe que eu também, tô aliviada....Gritar faz bem.
BRETON: É verdade.
AMBOS: Viva!!!
(risadas e gargalhadas)

(silêncio, um olha para o outro. Um dos dois diz:)

????: Você tem tomado seu remédio?
????: Não. Não acredito mais naquele psiquiatra. E me dava muito sono aquele remédio.
????: Parou de vez então.
????: É, mas tô muito bem. Olha só, hoje, quantas coisas legais a gente descobriu.
????: Verdade. Isso é muito bom.
????: Demais.
AMBOS: Viva!!!!!!

17 de setembro de 2007

Angústia.

Este texto foi escrito quando eu tinha 17 anos. Momentos conturbados, embriagados e estranhos cercam uma realidade dolorosa. Um adolescente metido a besta não consegue entender o mais simples e complexo questionamento: “O que sente cada ser?” a ponto de gerir sua vida a partir disso. Chocar-se com a realidade do outro é chocar-se com a própria? Vidas moribundas representam necessariamente sentimentos moribundos?.....não, não quis a resposta, apenas vi, senti, vivi.
No fim das contas, uma experiência de escrita interessante (de louco), mas não em sua competência desenvolvida. Conselho meu é que se leia primeiramente os versos, depois só as prosas e, por fim, o texto conjunto verso-prosa. Mas quem sou eu para aconselhar alguém....digo que foi essa a idéia.
Comentários são bem vindos!!! Boa leitura.





Angústia


Os tragos descem lentamente
Em ritmo esparso,
Sacodem o estômago
Fluem descontínuos no deserto de mim.
Encontram meu gélido olhar.
E somam-se os vazios...

As pessoas formigam ao meu redor. Falam, brincam, riem, cantam, bebem, fumam. O bar está repleto deles. À minha frente, um grupo jovem; um rapaz alto de camisa xadrez e espinhas na face inteira...bêbado, outro com uma franja na testa recolhido, introvertido, ombros curvados; uma moça clara, baixa de cabelos chanel vermelho, com uns óculos pretos quadrado, bermuda e uma tatuagem de uma rosa na batata da perna direita, outra gordinha, outra magrinha, outro bêbado,
Outros tantos e, no entanto, pareciam os mesmos.

Adiante, diversos grupos sentados nas mesas, conversando – uns mais, outros menos – ao meu lado o mais instigante: a rua, impossibilitada de ocupação humana devido ao movimento maquinal dos carburadores. E estes, em suas velocidades sem destino, divagavam qualquer tentativa de foco. Saí dali.

Aonde o sentidos se misturam,
A realidade venta, a incerteza compassa,
Risos abraçam o silêncio.
Ondas quebram na garganta,
Gargantas cortam o vácuo;
O vácuo rasga meu tímpano.

Caminhei sozinho por um tempo, tremendo de dúvidas. O vento ardia a superfície de minha pele. Eu de braços cruzados sentia um profundo enjôo, uma náusea existencial: aqueles que me cercam nem ao menos me conhecem, nem ao menos se conhecem. Preocupam-se com o vento, afinal este lhes desarranja os cabelos engomados. Para mim ele é muito mais rijo, sôfrego, torturante a ponto de roubar o doce aroma do jardim que ainda habitava meus pulmões. Eles se preocupam com a música que lhes extasiava como o álcool. Mas talvez por isso sejam mais felizes, menos intrigados e incontestavelmente mundanos. Meus passos me levaram de volta ao mesmo lugar, ao mesmo copo e à tristeza mais aguda. Não eram mais ondas a caminho dos meus olhos, mas um rio de entorpecentes, era muito duro, não queria enxergar aqueles aparentemente felizes. Bebia para ofuscar o que me chegava aos olhos. Tudo piorou.

Almas aladas vagam sorridentes,
Cospem o furor de suas vidas moribundas
Gritos de socorro fantasiados,
Heavy, rock, bob, toque, hard core.
Mugidos universais
De comas unilaterais

Ahhhhhh aquela música é muito boa! Clama uma moça de cabelos vermelhos do meu lado, tirando-me da viagem a qual me haviam compelido. Tento olhar as faces novamente, não consigo! O efeito da ingestão vem à tona, esfrego os olhos...nada. Desespero inabalável. Fecho os olhos, curvo a cabeça. Encontro um breu, uma luz central indicando uma escada que desce – provavelmente a tampa de um bueiro – desço. Lá nada é igual...o silêncio é paz, calmaria, dúvida. Entre um escuro e outro surgem dois claros olhos, a ponta de um nariz delgado...você. Um olhar, um sorriso, um gesto e estamos flutuando no breu, no escuro, no nada. Dois corpos, ou um...não sei mais. Enlevo de névoa e vento nos canaviais, a gente flutuando, subindo, subindo, subindo até o ventre de Eros. Fúnebre sensação...intenso desejo. O mundo dessa cabeça retardada é muito melhor, é mais vida, é mais calmo, é mais mundo....não posso, não quero não devo, não posso...tarde demais. Levantei a cabeça...o fim.

E a ilusão do mundo daqui
Galga vida no mundo de lá
Sonhos, álcool, misturas bipolares
Pesam, comprimem, trancam meus olhos
Para não mais abri-los.

Vitor Fabricio (23/05/2004)

3 de setembro de 2007

Um Dia

Hoje é um dia.....mais um dia......
Dia do caminhoneiro, do cortador de grama, do executivo, do bandido, do padre, do senhor, do corrupto, do mendigo, do caridoso, do assaltante, do estudante, do aniversariante, da mulher, do homem, da criança, do bebê, do defunto. Dia de Maria, de José, João, Severino, Adamastor, Rosa, Cleide, Paulo, Cezar, Conceição, Clara, Rodrigo, Joe, Lucas, Raquel, Larissa, Emanuel, Joaquim, Lourdes....Vitor... dia de tudo e de todos.
Dia de fortes batimentos. Dia de corpo pesado, água turva. Dia de outra imagem no espelho, de esclerose consciente. Dia de sol, de calor frio, dia de passos firmes no vazio. Dia de sobrancelhas serradas cortando pulsos, rasgando risos, tombando olhares. É um dia da palavra seca, da buzina aguda, das pessoas sós, do chiado surdo, do incompreendido, do desvalorizado, do medo, do furor, da vontade cega, da escrita louca, da destilação fétida, da rotina vã, labor inútil, bocas mudas.

Dia de pulsação
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..............................................de confusão.....
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..............inquietação......................................
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...............................................Persuasão.......
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Rebelião.........................................................
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Chão...............................................................
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Vão.
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Dia como um dia de muitos mais. Um dia que jaz.

Dos dias sem paz.

O lado de dentro...sublime

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