Bueiros paulistanos inspiram vozes destiladas..

Bueiros paulistanos inspiram vozes destiladas..

25 de setembro de 2012

Sonho Vivo



Quando meus olhos em ti repousaram  nada vi.
Sua face humana e juvenil rasgou-me entretanto,
mais que o mistério de seu toque nunca tocado.

A plácida ternura dos curiosos olhando tudo de perto como quem  perde os pensamentos  no limbo das folhas.
Foste eu a folha e minhas veias mudariam  a cor da fauna em tons  vívidos de amor.

Eras demais para meu gesto moribundo, vivido, cansado e exasperado de iludir corações alheios
Eu não podia colocar-te em meu destino apesar da insistência do acaso.
E quanto mais decidia não te amar mais tua áurea me cruzava.

E a nuvem de teu cheiro de menina deixava os rastros de teus passos
E por vezes eu te seguia, Sonho Vivo, e tentava encaixar meus pés onde os teus pisaram instantes antes
E ao fazê-lo reproduzia em mim teu ritmo leve e esparso de sonho.

Por vezes eu dormia no caminho e tocavas  no meu ombro me acordando de um Sonho Vivo
Eu tentava em vão dizer-lhe coisas sem sentido apenas para que não houvesse entre nós essa distância do silêncio casto.

Deixei-me nos bancos pelas ruas para ver se me achavas e  me davas teu sorriso.
Esse sorriso acanhado contendo o segredo escondido da esperança na raça humana
Dilatando o universo infinito  e ao mesmo tempo o abraçando.

Quantas vezes recostei-me nas paredes escondido para te fitar além dos esquadros.
E te via quadriculado, Sonho Vivo, em um mosaico de tempo e espaço se afastando,
fragmentos de um desejo qualquer de não te amar.

Sob a árvore descansavas e em dias de verão amarravas a cabeleira longa e suavas de calor
E como a água que escorre de um sonho,
tua forma era a própria  realidade que o chão absorvia

Esperava que partisse para, mais uma vez te seguindo, ficar sob aquela árvore
E vi dali como o ângulo das coisas se curvavam a ti
Vi dali  a mancha escura dos quadrados que te olhava, carentes de luz
E vi dali a verdura das folhas.

A natureza era a tua amiga, não a minha
O bosque te envolvia a fim de proteger contra todas as mazelas a semente da beleza
Eras um sonho, Sonho Vivo, disputado por tudo
e talvez doarás por nada tuas retinas à corações foscos.
Teus sorrisos encontrarão outros sorrisos
E teus passos seguirão outros caminhos
Os quais jamais saberei.
Continuarei, entretanto, pisando no chão como se te seguisse
Por entre o vale dos desencontros,
Pois para mim em todo chão estas tu.

Não quero que teus olhos sofram por amores furtivos
Não quero que tua lágrima seja real pois se cair a Terra murchará
E estarás indefeso
e tudo será como tem sido.
Desolação, miséria e frio.

Guarda-te como busto incólume a ser olhado
A vida lhe trará razões demais e quando teu filho levar a primeira advertência do colégio tudo estará perdido.
Teu sonhinho se fará pessoa e vais morrer como um raio breve a trazer  luz e destruição


Eu entendo, Sonho Vivo, vieste na melhor hora alertar os seres dos cartões de crédito sobre a beleza que se apaga
Mas eu não poderei te amar
Teu feixe de luz apenas servirá para mostrar o tamanho da escuridão lá fora.
E depois te apagarás

Mas, se um dia retornares Sonho Vivo,
Pegue o que restar de mim e minha chaga
E devolva-me o teu perfume,
Dá-me a seiva dos bosques por onde andaste
Remonte o meu mosaico com cuidado para não quebrar-me
Deixe que eu te toque os ombros e te ensine voz dos homens
O brado fraco e rouco dos homens.
Me siga pela escuridão
Caminhe atrás de mim
Reproduza meus passos tortos
E sinta meu ritmo aleatório e bêbado
Subjugue o tempo para que ele seja nosso
Dá-te a mim como a semente que és tu
E faça brotar em minha ruína, a vida.

17 de julho de 2012

Manifesto anti nhem-nhem-nhem.


Sobre a proliferação do nhem nhem nhem, suas causas escusas e os argumentos contra sua disseminação indiscriminada.

Consideração preliminar.
Para tudo que está dito aqui há exceções. E para tudo que for dito até todo sempre haverá também.

Apresentação
Para fins deste tratado acadêmico-científico-apologético definimos o nhem nhem nhem como uma manifestação humana exacerbada de carinho para com as criaturas diversas do mundo, com destaque para os próprios seres humanos, animais de estimação diversos como cachorros, gatos e cavalos (no caso dos ingleses), vegetais mortos como rosas dentro de livros e objetos inanimados como tickets de cinema, ursos de pelúcia, papeis de bom bom e cartões postais.

Causas
Essas manifestações também conhecidas como “cuth cuth”, emos e, mais recentemente “Ohmg” ou Ooouuunn, encontram-se atualmente disseminadas na cultura global do século XXI e encontram suas causas em diversos aspectos:
  1. O superprotecionismo dos pais e mães da década pós revolução sexual que optaram por ter poucos filhos e os criaram como um tesouro a ser guardado para eles e não para o mundo.
  2. A tendência da biologia moderna em encontrar causas dos comportamentos humanos como a boemia, a psicose e a psicopatia relacionado às heranças genéticas. Esta defesa nociva faz muitas pessoas acreditarem que seus filhos serão alcoólatras, viciados e depressivos a revelia da criação dada. Esta perspectiva aumenta o zelo na criação da geração nehm nhem nhem.
  3. Esta geração tem tornado-se negligente à sua própria formação psicológica. Hoje, uma criança com qualquer desvio de comportamento é imediatamente encaminhada para um psicólogo. O profissional que mais cresce no mundo a medida que a incapacidade de lidar com o outro e consigo cresce também.
  4. A indústria cinematográfica, de seriados e novelas trabalha excessivamente com o esteriótipo cuth cuth, como um produto rentável. Não é novidade para ninguém, nos anais da publicidade que a partir do momento em que a sensibilidade humana é exaltada, sua suscetibilidade ao consumo aumenta. Prova deste fato encontra-se na grande maioria das propagandas de TV no Brasil.
  5. A união da criação protetora com o reforço cultural midiático a esta prática fortalece os movimentos Emos e legitimam o nehm nhem nhem como uma tendência global atual, o que defendemos que seja visto com cautela.

Diante deste quadro ultrassensível da esfera lacrimosa da sociedade alguns itens devem ser ponderados.

Artigos

  1. Filhotinhos de cachorros e de gatos crescem. Eles não entendem o que você fala com eles.

  2. A coca-coca quer um mundo feliz para que sua garrafa esteja na mesa de jantar.

  3. Roupas coloridas e letras de música sobre o sofrimento adolescente podem até ser verdadeiras, mas são sofrimentos adolescentes e roupas coloridas. Pedaços de pano não expressam uma relação sentimental.

  4. A memória é uma condição natural do ser humano e de outras espécies. Guardar objetos para te fazer lembrar de algo que foi marcante é colocar o passado acima do presente.

  5. (quase) Todos os credos, ideologias e nhem nhem nhens partem de uma premissa básica a ser contestada: o ser humano é decente. Sabemos que o mundo é desigual, que há fome, que há guerra, intolerância de todas as naturezas, individualidade em demasia, poluição global, capital de mercado, mendicância, corrupção e colonialismo (ponto). Postos os fatos, nossa tendência é fechar os olhos à nossa própria natureza e esquecer. O nhem nhem nhem com a foto de uma criança desnutrida na áfrica é senão, um nonsense.

  6. A morte é imponderável e definitivamente a maioria das culturas ocidentais não educou suas proles para este momento. O advento da “inteligência” humana, ou a capacidade de raciocínio foi um pacote comprado junto com a soberba de que somos especiais demais para apenas se decompor e aceitar a morte como natural.

  7. A monogamia se estabeleceu como um jogo de conveniências de famílias. Talvez a natureza do ser humano não seja essa. Com a mudança do quadro tradicional da família e propriedade, cada vez menos os matrimônios têm duração longa. A insatisfação crônica diante do posto move uma constante busca pelo novo o que torna os relacionamentos mais curtos. Entretanto, o choque entre o que acontece e o que historicamente “deveria” acontecer cria uma massa de homens e mulheres que “acreditam” na união eterna fazendo de tudo para que isso aconteça pela força do sonho, não pela realidade tangível.

  8. A vida não é uma novela ou um filme. As relações maduras passam por um período de conhecimento recíproco, o que quase nunca combina com nehm nhem nhem, mas sim com a seriedade de quem gosta, e portanto respeita a liberdade do próximo.

  9. O amor existe e é inegável. A paixão existe e é inegável. Isso não significa que tenhamos de lidar com ele como se lidássemos com os gatinhos, bebês, e camundongos. Seres humanos são racionais e emocionais, não panelas de cuth cuth.

  10. Ser sensível aos sentimentos e emoções não significa afinar a voz e entortar o pescoço.

  11. Ser interessado nas causas humanas não significa se emocionar com crianças fofas.

  12. A poesia lida com o universo das emoções na raiz da condição humana. Não confundir com correio elegante e frases de facebook.
Considerações finais
Não se pretende aqui pregar a racionalidade em detrimento das emoções, ao contrário pretende-se a não banalização deste e o aprofundamento da relações emotivas. O nhem nhem nhem é sobretudo um reflexo da superficialidade do universo dos sentimentos.

Este manifesto está aberto para alterações.
São Paulo, 17 de julho de 2012.

10 de maio de 2012

Interstício - capítulo 8

Chico, quis que lesse isso...talvez seja bobo, mas é o que sinto neste instante.

Embora eu seja parte do meu ambiente, fujo do mimetismo. Como escultura em alto relevo, busco me destacar.
Como nas minhas músicas favoritas, arrisco expressões e gritos que tenham algum efeito.
Como se pela visão de olhos bêbados, busco algum movimento para o meu caminho.
Como numa alucinação entorpecente, busco cores aleatórias.
No fim das minhas frases, porém, percebo que não sou nada de concreto, não sou nada audível, não sou um conselho sóbrio.
Alienada é o que sou.
Não porque tenha me alheado da vida e do mundo que acontecem e se deterioram.
Porém, enlouquecendo, deterioro-me com eles.
Sento-me em frente ao espelho, e já não tenho gosto de olhar para o que está diante de mim.
Mastigando estes pensamentos como se fossem areia, deixo-me atrair pelo chão, que divide seu frio com meu corpo.
Percebo que essa massa, cujo rosto eu não quero ver, cujos olhos não posso encarar, é o que realmente vive.
E então, espere!
Movimento-me, toco-me no colo, olho meus pés, meus joelhos, minhas mãos, meus ombros.
Enxergo do meu nariz à extremidade dos meus lábios.
Eu sou um instrumento, e não preciso ver minha imagem refletida para saber disso. Alcanço qualquer parte do meu exterior e também dos meus sentimentos.
Eu posso ser tudo aquilo que quiser!
Já não preciso sentir frio para saber que estou viva.
Descubro que posso rodear meus braços por um corpo abrasador tão logo me coloque de pé em sua direção.
Sou feliz assim que penso existir realmente.
Descubro a cada dia que o que posso está sob minhas escolhas, e não sob meus talentos. Não está sob uma vida de aparências.
Assim, deixo que minha imagem se vá no sumidouro de um espelho muito gigante, enorme, a ponto de não comportar o que sou.
Engolindo os segundos, e os dias, e os anos, degrado e regenero meus pensamentos sobre mim mesma, vivendo uma verdadeira roleta russa.
Ideias mil se me apresentam.
Espero privilegiar as boas, sempre!

“Chegando na encruzilhada
eu tive de resolver:
para esquerda eu fui, contigo.
Coração soube escolher”
(Guimarães Rosa)

Um beijo
Espero logo conhecê-lo
(Rara)

10 de abril de 2012

Quero a memória de onde não fui

Não. Nunca fui à Bahia, mas posso sentir...ou seria senti-la? No acorde agudo de uma guitarra velha, ou na letra atônita de uma alma desesperada.

Quem forma moral é quem mora na fôrma. Quem sai da fôrma desmoraliza...e forma muito mais. Informa, contorna, se torna...sai da água morna. Hoje sou baiano...de alma e de forma. E, para dizer a verdade nunca tive apreço pela Bahia, mas sua rauseixibilidade canta em mim mais alto que Bach, que escola de samba, que o ensurdecedor ruído do universo.

Ontem tive medo de perder a memória.

Me disseram que eram cem reais a menos para pular de paraquedas sem fotografia e filmagens...tive medo. Não quero fotos. Não quero filmes..quero minha memória..só! Tenho este direito.

À parte disso, sempre quis ser fotógrafo. Não de mim, nem dos outros...mas dos outros que existem dentro de mim. Olhar na íris da mazela de quem oprime. Ver o mundo como o menino que segue a trilha de formigas para ver qual a verdade por de trás delas. Quantas memórias de lugares jamais idos há na retina de quem fotografo sem conhecer? Quantas Bahias?

Quando ouço Raul cantar 'o trem das sete" sou capaz de estar dentro...talvez eu esteja. Um trem para a Bahia de Raul, de Vinicius, de Caimi, de Tom, Gil, Bethânia. Só a memória me permitiu dizer estes nomes e continuar batendo os dedos nesta máquina. Batendo os dedos na porta da Bahia. O convite ao determinado beco que eu já passei e que não tornará a ouvir os sons dos meus passos.

Não. Sem memória não há beco...será que ele lembraria? “E se lembrar o que lembraria?”...um pé que nunca foi à Bahia... nem a Portugal, nem aos vinhedos argentinos. Mas já esteve aonde sua sola encostou. E são lugares inimagináveis...indizíveis e, entretanto muito, mas muito dentro do nada.

Fernanda, Jehniffer, Caroline, Kelly, Raquel, Juliana, Karen, Nadja, Camila, Fabiana...hoje são sombras em relevo da minha memória de fatos e de desejos. Tudo que tinha que ser chorado já foi chorado. A alma da Bahia chora. E eu? Acho que chorarei o medo. Medo que a vida me roube a única coisa que tenho...a memória.

A condição de lembrar é estar vivo...será?

Não. Se eu sentisse estaria na Bahia. Ou será que estive? Cada vez que eu me despeço de uma pessoa, pode ser que essa pessoa esteja me vendo pela última vez...bem vinda seja. Quero andar também...me ensine. Quem sabe eu não chego na Bahia? Achar a memória daqueles que choro e perder a minha memória em torno de um toque de dedos, Em torno daquelas que não vivi mas me fazem viver...aquelas Bahias.

26 de março de 2012

Soneto do soneto antigo

Esbaldei meus versos enquanto pude.
Durante anos de minha curta estrada.
Palavras de amor que não eram nada;
delírios tolos da juventude

Pobre rima em ré entoada;
escondida atrás de um canto rude,
mas repleta de sede e atitude.
Transformou o acaso em coisa amada.

Hoje, quando aqueles versos revisito
vejo chama revestida de desejo
e mais astúcia do que hoje fito.

E, se o passado chegasse num lampejo,
desejaria que este verso aqui escrito
fosse mais inflamado do que hoje vejo.

20 de março de 2012

O que é o bonito?

O que é uma coisa bonita? De tantas pessoas neste mundo e tanto universo individual o bonito certamente não é unânime, mas há quem acredite que sim. O bonito pode brotar na sua varanda por entre montanhas numa lua cheia, ou no arranha-céu da grande cidade iluminada, ou ainda no pastoril movimento harmônico das ondas calmas de um mar azul. Muitas vezes porém, nossos turistas acham o cerrado bonito, a caatinga bonita, a favela da rocinha bonita. O bonito tem uma coisa de quem manda, um rosto de novela ou de Hollywood; um corpo de comercial, sarado e, quando na nossa vida passamos a buscar este valor estético, quase sempre não temos, remodulamos a beleza. O bonito é um bom adorno, um bom perfume, uma roupa suntuosa, colares, cabelos como aqueles de Hollywood. Para transformar a beleza com adornos é necessário dinheiro, e aí, a beleza é um instrumento de poder.

Quantas vezes você já ouviu de alguém de cabelos crespos dizer ter vontade de ter cabelos lisos? E de lisos dizer que queria ter encaracolados? Quantas vezes já ouviu de alguém que vive em uma cidade grande que deseja morar no interior? E alguém do interior dizer que não aguenta mais o pacato? Um dia encontrei um recifense que jamais foi à praia e trocaria tudo para deixar recife e viver em São Paulo; outro dia encontrei um morador do Vidigal que tem, para muitos, uma das visões mais bonitas do Brasil e para ele, a beleza seria ter os filhos em uma escola melhor, um emprego e não ser baleado pela polícia, milícia ou bandidos. A beleza tem alguma coisa de secundarismo para aqueles que sofrem – e todos sofrem em certa medida. Apreciar o bonito requer estar bem. Muitas vezes as grandes mansões estão recheadas de solitude e vazio. Muitas vezes os barracos imundos estão repletos de miséria que impedem qualquer boniteza de adentrar. Muitas vezes, a saída do rico depressivo ou do miserável, é acreditar que após a morte lhe esteja reservado o paraíso, lá, obviamente, tudo é bonito. O bonito também é perverso.

Na mitologia grega, de tanto temer a morte e desejar a imortalidade, Sísifo trapaceou os deuses e conseguiu viver mais do que um humano normal. Porém, diante de Hermes e, este, ciente de todas as trapaças, conseguiu enfim a imortalidade desejada, mas nela, teria de passar todo o sempre carregando uma pedra para o alto de uma montanha íngreme, na qual ela sempre rolaria para baixo e ele teria de voltar a buscá-la e levá-la novamente para cima. Desejou morrer com todas suas forças, mas não podia mais. O bonito tem algo que nos dizem ser bom, mas também, algo que não para no tempo.

O bonito tem qualquer coisa de moralidade. É bonito ajudar o próximo, acolher uma criança com câncer ou um cachorro ferido na rua. E, perversamente, essa moralidade por de trás da solidariedade revela que ajudar os outros nos faz bem, nos sentimos curiosamente mais que os outros no momento em que ajudamos. Seja o amigo em crise, seja o dinheiro ao mendigo. Não experimentamos aquela vida, apenas aludimos de fora para nos sentir bem....bonitos. Afinal, não desejamos intimamente ter câncer, nem morar na rua, nem viver em crises existenciais.

Ao acordar na praia na casa de uma amiga em florianópolis e ver a simplicidade daquela vida, vislumbrei, anos atrás, como minha vida não era bonita. Cercada de contas, de subterfúgios vis para a felicidade. Mas nenhuma vida é cercada pela beleza. Nenhuma vida é bela. O bonito talvez fosse uma palavra antiga, daquelas que representam ideias antigas como a apreciação artística clássica. Poderíamos talvez banir o bonito dos dicionários mundiais. O bonito reside na forma como a cada dia olhamos o mundo e nos relacionamos com ele. Tempo a tempo, a cada dia um bonito diferente e que mude para todo o sempre. O bonito não é perene e nem deve ser. Sempre que tiver com pessoas queridas, esteja bem. Se um carro lhe faz bem, esteja bem; se apreciar um bom vinho com sua amante, esteja bem, ela ou ele lhe parecerá bonito. Mais importante que ser ou estar bonito, é estar bem a ponto de não lembrar da beleza. Independente das mazelas sociais, psicanalíticas ou culturais sempre há espaço para estar bem. Bem com sua causa de vida, com suas amizades, com sua beleza subjetiva. O bonito é para quem pode. Ou não, o que você acha?

2 de fevereiro de 2012

2012: o ano que já terminou

Sim! O fim do mundo está aí para que possamos apreciá-lo e nem nos damos conta disso. Como diria Vinicius de Moraes, a gente mal nasce e começa a morrer. E a Terra minha? Tão pobrinha? Vontade de niná-la, de ver seu sono enquanto ela morre silenciosamente. O mais ingênuo nietzschiano diria que esse corpo Gaia que é a Terra mal nasceu e está morrendo. Um geólogo discordaria, um antropólogo concordaria e eu, que não sou nada, acho uma bobagem o fim do mundo. Pergunte-se: Se uma árvore caiu em um bosque desabitado, ela emitiu som ao cair? Como podemos saber se não havia ninguém para ouvir? Se você morrer, o mundo continuará existindo? Como pode ter certeza? E se toda a humanidade morrer, o mundo continuará existindo? O mundo o universo e as coisas existem à revelia dos nossos sentidos? Se você achar que sim, acabou de se saber minúsculo e insignificante perto da grandeza do universo e do infinito tempo que há por aí. Mas, pera aí. O tempo é longo e o universo é grande... mas quem disse isso? Nós, oras. Mas, e se... nós, que pensamos o universo, morrermos todos, ele continuará existindo?

Um marxista poderia dizer que o mundo está acabando desde que nasceu um sistema desigual que acomete a natureza em prol do lucro. Um psicanalista poderia argumentar que o mundo está acabando pela nossa gana velada de querer ser mais que os outros e, somente por isso o capitalismo sobrevive. O mundo está acabando, sim, mas 2012 não é nada, não será nada senão especulações esotéricas. Se você iniciou este ano pensando que talvez o mundo pudesse acabar. Esqueceu-se de um detalhe: ele já está acabando.

Olhe para trás. Longe? Não. Olhe um ano atrás, em 2011. Olhe e veja uma primavera abrindo flores novas no mundo árabe. Milênios de cultura obediente e devota. Uma panela de pressão de mais de 2000 anos implodida por novos sonhos, novas influências do mundo globalizado. Veja o ícone da tecnologia mundial sujeito a tsunamis e sendo vítima da falha de sua própria tecnologia quando esta, deixou Fukushima sob a rosa desprendida da primavera radioativa. Veja que o símbolo da tecnologia e do desenvolvimento, o Japão não teve ao menos quem o ajudasse, por quê? Por que quem deveria ter dinheiro e poder não tem mais. Um império e um sistema se convalescendo pelas mãos de seu próprio filho: o sistema financeiro. Veja que, paradoxalmente, enquanto vão falindo os especuladores, o berço da cultura ocidental chora na sarjeta. Cortes na aposentadoria, cortes no salário, cortes em tudo para quem jamais, sequer chegou a mexer com bolsas de valores.
A Grécia chora, a Itália chora, Portugal chora, a Espanha chora....coincidentemente países que já foram impérios mundiais. O atual império chora e sua lágrima é ácida. Corroi empregos, casas, famílias e unifica pessoas de todos os credos, cores e tendências políticas em torno de Wall Street para dizer: “nós não sabemos o que fazer. Não temos o que fazer. Ajude-nos”. Nem mesmo com o símbolo do inimigo invisível morto e jogado ao mar por um ganhador do premio nobel da paz foi capaz de alentar aqueles mundos em degredo. O fim do mundo? Sim.

O mundo é tão grande quanto a mãe que não consegue alimento para seu filho. Tão grande quanto o peixe que morre perpassado por urânio; tão grande quanto a praça Tahrir; tão grande quanto a Grécia helênica e a roma antiga; tão grande quanto as grandes navegações que afundam no capital financeiro sem dono.

Não conseguimos ter certeza se a árvore caiu, se o universo que inventamos continuará ou se a morte do mundo é uma explosão. Imagine então que não fazemos nada com aquilo que conseguimos ter certeza. Com o que vivemos, testemunhamos e assistimos. O mundo está acabando na nossa frente e a nossa cabeça covarde se esconde dos fatos. No fundo, esperar que o sol exploda ou que um cometa venha e devaste tudo, ou que a terceira guerra varra o planeta, pode ser tão somente nossa esperança escondida de que se isso acontecer, podemos nos eximir de nossa culpa procrastinada. Ou não. O que você acha?

O lado de dentro...sublime

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