Cada vez que recruto minhas loucuras, viagens e anseios com a experiência de qualquer coisa que não tenho, extraio disso uma destilação surreal. Escrevendo, sublimo essa coisa pelo ralo. A vagar por bueiros, ela encontra todo tipo de destilados da cidade, dos santos aos psicopatas. A amálgama humana se mistura, formando o mais intenso e real do pensamento e vai à superfície buscar as narinas dos transeuntes, mas são retidas pelas tampas dos bueiros que friamente censuram o regresso das idéias.
Bueiros paulistanos inspiram vozes destiladas..
10 de dezembro de 2010
DCC - uma nova forma de criação
8 de dezembro de 2010
Feliz natal Jean (o que você acha?)
19 de novembro de 2010
A história de um coração bom
Era um coração bom, de uma pessoa que gostava de fazer bom uso dele. Uma pessoa normal, afeiçoada às paixões. Um coração desses, mesmo pequeno, trabalhava bastante. Era um coração vermelho estampado em pele morena, muito bem guardado na dobra entre o quadril e a perna, num lugar quente e acolhedor, morando ao lado do sexo. Quando ela andava o coração pulsava e em noites de frêmito o coração suava. Há quem pense ser este um conflito constante para aquele bom coração. O amor e o sexo podiam caminhar lado a lado? Eram vizinhos, dividiam o mesmo corpo, mas não dividiam as mesmas coisas. A dona daquele coração bom parecia mergulhada em conflito, como a própria estampa de seu corpo estampava também sua cabeça. Talvez fosse isso o que a tornava exposta, frágil e dona de um bom coração.
Um dia seu coração lhe apontou um homem bom. Um homem que sua intuição conferiu a possibilidade de se entregar. E quando um coração bom se entrega as coisas são boas, fluidas. Aquele homem cuja parte sobre o coração escapava a muito, não se sentia responsável pelo que cativava. Mas um bom coração bom que se entrega se aperta mais, se espreme, quer ter dono, deseja ardentemente que o tomem e o ninem como criança. E ele queria sim, sentiu que podia ter seu dono. Uma ingenuidade de um coração bom que se movimenta bem. Todas as pulsações dele eram fortes, vorazes e a cada dia que passava aquele homem se sentia cada vez menos capacitado para assumir um fardo que ele não achava justo, tomar conta de um coração bom.
Cada vez mais desamparado aquele coração recorreu a algo que nunca antes recorrera. Como que em instinto de mulher o coração resolveu ser mais vaidoso. Produzia-se todo aquele corpo de mulher, buscava o plástico, o lábio bicolor, os pelos retirados, o perfume que escondia o cheiro de libido que aquele coração bebia todos os dias no calor da virilha. Mas foi um ledo engano, não era isso que tornaria aquele homem encorajado a niná-lo. Nem aquele homem sabia ao certo o que fazer. Sabia sim, de uma coisa. Não podia ser dono de nada, nem de nenhum coração. O que podia fazer era regá-lo de bons sentimentos, mas ele se assustava acima de tudo.
Como se tivesse demorando, a dona daquele coração bom mergulhou de novo no seu conflito. Seu coração se consumia em cada atrito, arfava, adorava se viciava em longas horas exposto ao ar, ao sal e á pele. Isso movia a dona daquele coração a cada vez mais se embelezar. Ao mesmo tempo aquele frágil coração se sentia desamparado, mas culpado sobretudo por um dia ter expectativas demais. Isso movia a dona daquele coração bom a ter medo, se recuar, chorar, insegurar-se. Aquela definitivamente não era uma situação boa a qual um bom coração deveria passar. De fato o conflito só podia ser resolvido com uma decisão. O coração bom decidiu se embelezar, suprimir a insegurança e substituí-la por adornos de beleza.
Uma linda mulher em dia de banho, espantando seus fantasmas pelo ralo do box num sábado de calor. Ela estava com aquele corpo a mostra de si mesma. Num preciosismo de vaidade entretanto a gilete que cortava sua virilha lhe cortou o coração. O que ela queria com aquilo, antes de se ferir? Queria que apenas afagar seu coração bom com um colo e um calor que só dois corpos podem dar. Queira se convencer do que escolhera, mas se feriu. Queria suprimir sua razão, mas se feriu pela escolha exata que fez. Naquele dia seu coração chorou sangue escorrendo pelas pernas, ferido a próprio punho e à própria escolha. Aquele choro se espalhou e aquela mulher tão linda a ponto de espalhar sofrimento se derramou. Enquanto aplicava o curativo decidiu se curar. Saiu à rua sob outros ventos.
16 de novembro de 2010
É preciso defender os fortes dos fracassados
- Sabe, outro dia ouvi um cara me falando sobre a sociedade socialista, sobre a igualdade de condições, sobre o dinheiro. Tenho certeza de que essa pessoa não sabe o que é paz de espírito. Nem deve acreditar em espírito, não se conheceu ainda, não sabe da onde vêm suas dores e por que ele ri. Nem entende por que as pessoas morrem nem a dor de uma perda. Esse cara pensa antes, prevê, discursa, contabiliza, tipo cientista, entende? Argumenta bem pra te convencer de algo ou em quem votar. O pôr do sol deve ser uma bola girando em volta de outra que ele nem sabe por que está lá, mas acredita nisso. E sabe do pior? Esses caras assim, não socialistas ou o caralho que for, esses caras de branco que olham sua língua e falam o que você tem, esses caras que sentam na sua frente, te ouvem e dizem do que você precisa, esses caras que compram calças, camisas, dão presentes, se maqueiam, juntam dinheiro pra comprar uma casa, sabe? Sua mãe deve ser assim, um desses caras. E você sabia que são esses caras que olham pra gente? São eles que botam os olhos na sua porta, eles que conversam com você sem prestar atenção no que você fala. Eles lá fora que dizem que um homem não pode desejar sua mãe, ou sua irmã, ou matar alguém, ou pegar algo que ele não tem... É foda isso, não? Você não acha? Aí eles que falam o que é certo e errado, sei lá de onde eles tiraram isso. Deve ser dos gregos, tudo tem coisa lá. Teatro, filosofia, olimpíada, é tudo invenção deles... Eles que devem ter inventado essas coisas pras pessoas pensarem e dizerem que estão certas umas pra outras. Eu fico pensando, se os gregos inventaram isso, os inimigos deles... tipo, os persas... devem ter inventado o sofrimento, ou o pôr do sol, ou o amor... pra fazer eles sofrerem eternamente. E, enquanto eles pensam de dia, sofrem de noite, vai comendo por dentro, entende?
- A gente é filho de grego.
- É, e de persa também, mas amor não ganha guerra, Gilberto. Ganha guerra quem vence...e quem vence é quem mata mais....e olha só que esses gregos também são meio estranhos porque aí quem mata mais ganha e, na rua, quem mata mais, perde. A guerra deve ser o mundo de cabeça pra baixo. Se a gente estivesse em guerra, talvez nós estaríamos lá fora. E o pior é que nós estamos mesmo e eles acham que não.
- Lá fora ou em guerra?
- Os dois, Gilberto, os dois
Daniel deixou o banco e entrou em seu quarto. Logo o enfermeiro veio lhe trazer o comprimido diário. Gilberto estava quieto, pensando profundamente nas coisas que Daniel lhe dissera. Olhos bem abertos, fixos em um ponto qualquer do infinito de sua mente. O enfermeiro olhou, passou a mão na frente do seu rosto e saiu.
A noite vinha como um silêncio fúnebre, os quartos do hospital psiquiátrico eram silenciosos, mas pungiam de milhares de vozes gritando em cada cabeça deitada no travesseiro. Pensando sobre o mundo, sobre a essência da vida, sobre o sentido da evolução, sobre o cosmo, ou o significado do universo, sobre deus. Essas vozes se perdiam no espaço invisível existente na fumaça de um cigarro ou nas vibrações inertes das paredes. Muitas conclusões sobre o mundo surgiam todos os dias, Daniel, Gilberto, Clara, Nunes, Petrônio, Nadja, Paul, Luis, Pablo, João, Raul, Elis... Todos, em seus quartos, pungiam de pensamentos, de significados sentidos para tudo.
Longe dali, o conhecimento era produzido em artigos, discutido em bares, pessoas elaboravam experimentos, olhavam através de microscópios, caçavam barcos que caçavam baleias que caçavam focas que caçavam peixes que caçavam algas que caçavam luz. Ideologias trituradas nos arpões, projetos de nação, método, ciência e livros de auto-ajuda. Nenhum deles chegava aos pés de qualquer significativa conclusão como os outros. E, entretanto, volta e meia eram acometidos por uma estranha sensação de falta, de vazio, de inconclusão. Uma inquietude triturante, que fazia o caçador desejar ardentemente ser uma baleia e nadar tranquilo nas algas, sem dar pedaços de papel para comer seu peixe. Era um vazio que o enfermeiro de plantão não entendia, suas lágrimas corriam por sua cabeça deitada. Ele não entendia, queria, mas não conseguia, seu filho chegou bêbado e ele não sabe por que o garoto se sente tão bem bebendo... Acha errado e sofre uma angústia interminável. O cara de branco atrás do microscópio chegou em casa e sua mulher não estava mais lá. Se ele entendesse mesmo o amor não estaria agora a caminho do fim. E lembrou dos ratinhos que se reproduziam tão rápido para suprir os testes. Ele quis ser um rato naquele momento para não entender o sentido de uma perda tão grande.
Na rua, as almas se encontravam e riam e brincavam e liam jornais, viam novela, desejavam um vestido ou um carro. Davam dinheiro à igreja e, entretanto, pareciam tremendo de medo e de frio. E mesmo parecendo frio esse lugar onde as pessoas vivem, ao passar por um mendigo cantando e dançando do alto de sua realeza sem a menor preocupação, as pessoas se afastam. O mais racionalista filosófico dirá que Nietzsche havia alertado que precisamos defender os fortes dos fracassados, mesmo assim chorará por ver Gaia tão distante. Esses caras pensam no fundo de suas cabeças: a que ponto pode chega o ser humano. Que estado de degradação. Talvez esse louco devesse ser internado, desintoxicado, mas com certeza sair daqui.
Talvez esse louco deva se encontrar com Daniel, Gilberto, Clara, Nunes, Petrônio, Nadja, Paul, Luis, Pablo, João, Raul, Elis e outros tantos e tantos e tantos cujas preocupações não são a de um rato nem a de uma baleia, nem a de “um desses caras”. E o que separa o quente universo fervoroso daqui do frio, distante e incompreensível mundo de lá, o mundo do conhecimento, é exatamente o conhecimento da incompreensão e a falta de compreensão do conhecimento. Uns riem, outros choram. Como nas tragédias gregas, na trágica filosofia do certo e do errado.
Os persas foram mais bem sucedidos. Lá fora todos sofrem. Sofre a moça que deseja outro vestido assim que passa pela vitrine seguinte. Sofre o cientista quando esbarra nos limites da explicação. Sofre o jovem que acaba de passar no vestibular e não sabe por que está sentado naqueles bancos centenários. Sofre o muleque da favela que sempre quis fazer faculdade de Direito. Sofre o patrão quando roubam seu 4x4 blindado. Sofre o pobre quando deseja, em silêncio, trocar o ônibus capenga pelo carro do ano. Até o mendigo, do alto de sua realeza, carrega as marcas daquilo que sofreu para abandonar esse mundo de falsas compreensões e convenções frágeis. Sofre esse que vos escreve, enquanto racionaliza isso tudo no papel. Aqui dentro, Daniel, Gilberto, Clara, Nunes, Petrônio, Nadja, Paul, Luis, Pablo, João, Raul, Elis produzem seus conhecimentos, efervescem, sorriem e quando errados nem sabem o que é o erro. Vivemos mais que todos a liberdade dos que mais pensam e não vivem.
3 de novembro de 2010
18 de outubro de 2010
Gustavo tinha razão
- Tome, leia, acho que vai gostar.
Assim o recebi. Antes de terminá-lo – sete dias antes para ser mais preciso - e sete meses depois de tê-lo ganho, Gustavo me disse outra coisa:
- Sabino te deixa com a sensação de que escrever é fácil.
Confesso, tinha razão nas duas colocações. A muito não chorava ao ler um livro, e neste livro também não chorei, embora ressentisse e sofresse junto. Um sofrimento muito pior que uma lágrima pode representar. A mão do futuro sobre meus os ombros. A história de “Encontro marcado” é a história de todos nós. História de alguém que nasceu, brincou, questionou, teve sonhos, sentiu, teve amigos fiéis, se embebedou, casou e buscou a comunhão com ele mesmo. O mais puro sentido de solidão do qual fugimos às vezes, mas por pouco tempo. Mais que uma história, um lembrete de uma bandeira que um dia ergui sem saber ao certo porque, mas que hoje eu mesmo fiz questão de não abaixa-la, e sim pinta-la de outras cores. A finitude das coisas é a única certeza que podemos ter. Mas, saber da finitude é automaticamente estar em um novo começo. A vida vista sob este ângulo pode parecer um tanto quanto previsível, mas, quem foi um dia que disse que ela não é?
Chegou a hora, mocidade velha, cansada, desnorteada, exaurida.... quando chegará seu fim? Quantos séculos de angustia coletiva te fizeram? Quantas horas de aflição foram vividas, quantos corações se extenuaram no amor e na esperança para te entregarem desamparado ao mundo novo? E que será de ti neste mundo? Perguntas sem resposta e sem sentido largadas na praça avermelhada pelo crepúsculo. Um livro cem vezes começado, um filho abortado, um amor dissolvido. Para isso vivemos. Queria eu poder não dar razão às pessoas como a minha velha presunção me impeliu a fazer nestes curtos anos de devaneios. Presunção que, mais uma vez, Gustavo tinha razão.
Apesar de ambos não sabermos ao certo qual a razão do que, como não querer sorver as coisas que aí estão? Se reconstruir a cada passo. Se é para cair, caia. Escorregar é coisa mal feita, assumir o preço da escolha é também um processo de humanização. O anonimato foi ou é a antevisão do paraíso... andar desconhecido e livre pelas ruas sem ser identificado, talvez isso assuste a muitos. Se nos assusta a velocidade do tempo ou a lentidão com a qual mudamos é porque talvez tenhamos sido feitos para ver o tempo passar devagar e viver mais rapidamente a transformação. Se nos assustamos é porque subvertemos algo, no atraso do trabalho, nas horas a fio dentro de bares até que o dia nos expurgue. Subverter seja talvez a semente do susto, da insônia, ou da cabeça perturbada. Assustou-me de fato a verossimilhança daquela vida com a minha. Talvez um passo para me sentir velho, mocidade velha, talvez ainda um passo maior para me sentir jovem e filho do meu tempo. Como não engolir a fumaça e encher o copo de uísque vagabundo neste momento?
Fato é que aprendemos. Tentamos ver na vida alheia nosso espelho e nosso afastamento dele. Assim, mais um livro, menos um segundo, mais um copo, menos um dinheiro, mais uma razão, menos uma presunção. É isso meu caro, no mesmo estilo de sempre com o assombro do previsível que mais que a Física, a literatura e a poesia me mostraram, pretendo ir indo. Agradecendo antes de tudo as boas reflexões entre um lado e outro da tampa onde tenho fluido. Um brinde a elas e obrigado.
4 de outubro de 2010
Recém chegados
Eles eram recém chegados.
Não aqueles recém chegados de viagem,
embora ambos tivessem
muitas viagens e muitas chegadas.
Aliás, estavam presos pra falar a verdade.
Presos por sonhos resignados
Que nem sabiam ao certo quais
Mas eram presos e recém chegados.
Nada os impedia de nada a bem da verdade,
embora nada também os impedisse de Tudo.
Aliás, tinham expectativas
De sonhos e de tudo mais.
Há quem diga ser um mal
Essa tal de expectativa.
Mas a tinham.
O que havia entre os dois
Não era bem uma Verdade.
Embora fosse verdade haver algo entre os dois
Um olhar lustroso, singelo... lacônico.
Aliás, um brilho gostoso de se ver,
mas que só viam poucos
no caso...eles...um ao outro
Presos e recém chegados.
As poucas palavras trocadas entre os dois
Eram palavras como outras quaisquer,
Embora fossem só deles, cheias de expectativas
Um certo desprendimento é verdade.
Escapulido em cada sorriso.
Aliás, o sorriso os prendia um ao outro.
O sorriso dos recém chegados.
- Chega aí companheira!
- Ooooo meu chegado!
Não, não eram esse tipo de recém chegados
Embora se fossem, seria mais fácil de se achegarem.
Eram recém chegados
de um outro lugar de dentro deles.
Onde estavam presos.
A expectativa dos dois recém chagados
Era a mesma, talvez
Mas a temiam acima de tudo
Embora tudo que estivessem acima deles
Não temessem.
Acho que eles se desejavam ou se desejam.
Os dois eram recém chegados de outras histórias
Cheias de expectativas, prisões e verdades.
E, embora ainda mantivessem as três coisas dentro deles
Não mantinham mais a Outra história.
Então nada os impedia
De chegar mais perto um do outro.
Mas estavam pertos, é verdade
Olhos pertos
Palavras apertas
Sorrisos espertos
Se houvesse problemas
que os impedisse de chegar perto um do outro
Seria por serem recém chegados
Ou esse monte de palavras repetidas
Expectativa, verdade, um, outro
Tudo, nada, chegados ....recém
Presos.
Pra falar a verdade não há problemas
Embora as expectativas
Os fizessem sorrir e olhar um ao outro
languidamente....
Os recém chegados precisavam chegar
Chega! os dois!
É tudo ou nada agora!
Prendam-se de vez!
Há um novo Recém lá fora
Sem ressentimentos.
Sem emboras
Sem ir embora
Que tal?
Simbora?
29 de setembro de 2010
Era Uma vez uma Praça (O que você acha?)
27 de setembro de 2010
As micro-histórias de vó Alva
Vó Alva voltou de viagem
Com vô Alvo.
Nove dias num velório no sul.
Tavam mais vívidos
Vitor foi ver de perto a valize do vô.
- A cartela verde virou azul!!
****
Vó Alva está às voltas com Vitor.
Vitor vomitou Vodca no vaso.
Vó Alva viu....
A avenca não viverá
- AHH vem cá seu vadio!!!
****
Vó Alva alvejou
um vulto vindo devagar
por de trás do lençol
na varanda.
E o véio Alvo veio
- ooooo alvejante negro!!
****
Vô Alvo virava tragos de Vodca
- Alvinha, tem velório mais não?
- Sai daí de trás do lençol seu véio
Vá se lavar!
- Já vô...já vô.
- Vô!!!! Vodca é bão?
- Tó! mas num conta pra vovó.
17 de setembro de 2010
16 de setembro de 2010
Soneto da Graça
Passa um, passa dois, três, vários... milhares
Cada par de olhos que por mim passa
Deixa um breu de vida em sua graça
Ou a porta escancarada de seus lares
Mas sinto ainda uma torpe ameaça
E escondo meus medos em vagos olhares
Por trás de copos em balcões de bares
tragando vidas diluídas em cachaça.
Talvez estes olhos não olhem para mim.
Olhem pra dentro do copo em que me vejo
Ou para suja graça das pessoas no botequim.
Pessoas que talvez em meu íntimo desejo
me mostrem que a vida seja simples assim:
Uma dose de olhares num copo de gracejo.
12 de agosto de 2010
O lado de dentro e o lado de fora
Ela entrou. Não era preciso mais que isso...entrou no metrô da manhã. Guilherme olhava mais olhava seu reflexo na janela que a cinza paisagem de São Paulo. Olhava pra si e olhava para fora ao mesmo tempo. Depois olhava pra si, depois para fora...e, olhando para fora viu dentro...dentro do vagão a um metrô e meio talvez, um pouco na frente não sabia ao certo, mas continuava olhando para fora. Ela... cabelos encaracolados, curtos na nuca, ainda úmidos, um óculos discreto, mas de grossas lentes. A mão que segurava a haste não trazia esmaltes nem anéis. Algo lhe chamou a atenção...olhou para dentro, mas foi rápido. Os globos atrás daqueles óculos miravam firmes para fora, eram olhos bonitos, não sabia ao certo porque... não eram azuis, nem verdes, nem mel...eram olhos bonitos mirando lá fora. Uma roupa simples, uma pele lisa, face serena, lábios ondulantes e bonitos, mesmo sem batom.
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- Jamais saberia que mora aqui perto – disse ele à ela naquele mesmo dia mais tarde entre um passo e outro saindo de um restaurante. Aquecido e com um conforto bom de se sentir com os ombros alinhavados ali.
- Tem muita coisa que jamais saberemos.
Como se essa frase lhe causasse angústia, se sentiu impelido, passou a mão pela cintura e ela lhe pousou a palma no cabelo puxando para si a boca insegura e a imprimido o toque macio de seus lábios. Que maciez inédita, que cheiro apaziguador...que sensação.
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Ela riu entre um olhar e outro para fora. Guilherme se endireitou no banco, algo lhe impedia de olha para fora naquele momento...olhava para dentro. Estava intrigado com a beleza dela. O rapaz ao lado dela não a olhava...parecia estranho. Talvez diria ser uma moça sem muita graça de ser, talvez pouco vaidosa, talvez com uns quilos a mais, ou com um óculos estranho, ou talvez um cabelo estranho de se ter. Guilherme se sentia qualquer coisa que mexe, tinha um sentimento de órgãos fora do lugar em seu estômago. Mas decididamente achou que tinha que pelo menos dizer a ela que era linda. Talvez melhore seu dia...pensou, talvez melhore o meu, ou melhor...já melhorou.
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- Alô!
- Olá, bom dia moça, perdi meu celular, você está com ele?
- Estou com ele, achei no banco do metrô.
- Que boa notícia, achei que não o veria mais, será que consigo pega-lo de volta?
- Bom. Está comigo.
- Onde você está? Se não sair de lugar nas próximas horas posso ir buscar.
- Estou no trabalho, só saio a tarde, se quiser pode vir buscar.
- Onde é? Me passe o endereço que vou já.
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As estações passavam e aquele incômodo no estomago de Guilherme aumentava a cada vez que o metrô andava. Por mais que tentasse olhar para fora, fora ela estava, refletida, mas lá. Guilherme passeava a cabeça, passava os olhos de relance, desviava, voltava, mirava os olhos dela ...que mistério agradável tem essa mulher. Olhava novamente...acho que ela percebeu...os olhares se encontraram por segundos a ponto de cair um balde de gelo no estômago desajeitado. Enrubesceu e olhou para fora novamente...mas olhava para dentro. Ele já não tinha dúvidas de que tinha de falar isso a ela. “vou pedir para segurar sua bolsa...não, vou oferecer meu lugar a ela...parece cavalheiro, simpático...mas não dá pra falar...tem essa tia do meu lado” e mais uma estação chegava. “vou escrever meu telefone no papel e lhe entregar...ou melhor, vou escrever que ela é uma mulher muito interessante, ou que é linda...mas aí parece uma cantada a toa...não...quando descer passo rapidamente e digo pessoalmente a ela e desço depois..fujo. mas de que valerá?” Guilherme agora não queria mais lhe falar, parecia pouco. Durante bons instantes teve vontade de beijar aqueles lábios, ali mesmo no vagão... meio fora meio dentro. Faltavam duas estações para ele descer. O coração descompassou, a sensação de jamais tornar a vê-la lhe angustiou.... inquietude...o maquinista anuncia “próxima estação....luz”. a composição acelerava no túnel, já não havia o lado de fora...tudo era dentro...sua cabeça acelerou também. “vou deixar meu celular cair na frente dela”. Afirmou.
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- Oi, que bom que você o achou, não sei nem como te agradecer, muito obrigado viu! – era ela, olhando para ele, parece que ficava ainda mais linda.
- Não precisa disso – disse sem graça. Mas quanta graça.... que sorriso lindo!
- Muito obrigado mesmo – silêncio.....o que falar?...silêncio – qual o seu nome?
- Marília.
- Marília! – silêncio...suor frio. Sentia o fio de conversa minguando – Marília! – repetiu olhando para ela – Marília, desculpe o mal jeito, mas preciso te dizer que você é muito encantadora, reparei em você no metrô, tem algo de inexplicável em você...uma leveza ... fico feliz de conhecê-la...posso te convidar para jantar? Seria uma honra se aceitasse... faço questão.
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Lhe pareceu a melhor coisa a fazer..não sabia se reveria o celular, não sabia se ela pegaria ou se outra pessoa, não sabia se correria atrás dele para lhe devolver ou se pegaria para si, mas foi rápido demais. Saiu. Cuidadosamente deixou cair ao seu pé como se não tivesse percebido. Naquele instante seus passos estavam mais leves, contidos, invadido por uma adrenalina e um sentimento de coragem pelo seu ato..impensado talvez. Não se segurava, ansiedade, satisfação, aventura...parecia um filme talvez, não tinha muita certeza, mas sentia um vento diferente no lado de dentro. Foi a uma banca, comprou um cartão telefônico correndo, achou um orelhão afastado e ligou para si mesmo.
Mais tarde, Guilherme segurava em sua mão o celular. Encarava aquele aparelho como um amuleto. Lembrava dela, de seus cabelos, seus óculos fundos, seu sorriso, seus lábios, sua roupa simples sua simplicidade. Se arrependeu. Colocou a culpa no metrô. Devia ter feito algo antes, devia ter lhe falado. Se ela não descesse uma estação antes, quando já havia resolvido deixar cair o celular. Se ele fosse atrás, fora do vagão, sem muita gente, talvez falasse, talvez dissesse algo..talvez. mas segurava o celular na mão na sua casa. Conformou-se em pensar que ela talvez pegasse sempre o mesmo metrô, no mesmo horário, poderia revê-la, pensar em algum um jeito de iniciar uma conversa....mas e se ela não pegar mais este metrô?. A cidade é tão grande, talvez não a veja mais...provavelmente não a verá mais. Conformou-se novamente e se sentiu besta imaginando as possibilidades daquela história ...mas existem tantos metrôs, tantos vagões, tantas pessoas que entram, tantas pessoas que saem tantas pessoas fora...tantas pessoas dentro...decidiu olhar mais para dentro e olhar mais para fora, ainda não sabia ao certo, mas passou anos dentro de vagões procurando algo nos dois lugares.
23 de junho de 2010
Há razão arrasando
18 de maio de 2010
O puteiro de Álvarez é o mundo
8 de maio de 2010
Resposta de uma dama à um Convite
encare a silhueta de minha cintura
morda os beiços de fissura
ao ver se despir essa dama
Vendo saltar da calça sua massa dura
envolvido por mim em minha trama
apagarei com saliva sua chama
escorrendo meus lábios pela espessura.
Umedecido, latejando e louco
descerei em seu mastro pouco a pouco
até que ele toque no meu Fundo
E, entre suspiros frementes e carnais
saberá que não consegue aguentar mais
e que sou Eu que te levo pro'utro mundo
29 de abril de 2010
Convite
Quero ver teu ombro se perder da alça
Teu vestido escorrendo com minha calça
E a doce curvatura de tua barriga
Tocará teus pés nos meus, descalça
Tua calcinha revelará a chama que abriga
E enquanto o seu fogo minha boca irriga
Deitados, inventaremos nossa valsa
Dos corpos molhados se fará o atrito
enlouquecidas, tuas unhas me farão arder
E na força do ardor te mostrarei o infinito
Até que, arfando... teu corpo começará a tremer
E libertará ...seu gozo... num frêmito... num grito
Que a cidade toda invejará nosso prazer
19 de março de 2010
História Rara (fragmentos de um roteiro)
EsEs
CENA 63: EXTERIOR. CALÇADA DO BAR – NOITE
PLANO ABERTO - BAR com mesas de madeira espalhadas na calçada. Os pedestres caminham entre as mesas lotadas de pessoas rindo e conversando.
ÂNGULO PLANO: Câmera caminha pela calçada até encontrar CHICO e CLAUDIO. Eles estão em lados opostos da mesa rente ao meio fio. Cada um folheia um livro e bebericam seus copos de cerveja.
CÂMERA OBJETIVA: CHICO olha as pessoas e para em Claudio (folheando o livro)
CHICO
Eu acho que não entendi muito bem o livro Claudio. Também não quero que você me explique. Para mim Rara de fato não parecia lúcida ao andar por Paris.
CLAUDIO
É! esse é um fato, mas vai além.
CHICO
Gostei muito daquela história de Rara ser o começo da palavra esperança e ela falar. Não por que é esperança, mas por que é o começo.
CLAUDIO
Se pensar bem, todos nós somos um começo a todo tempo. Ela mostrou isso.
CHICO
O ensaio sobre a loucura também achei muito bom.
CLAUDIO
Essa é uma outra coisa. Afinal ela estava louca ou não? O que é a loucura. Os dois estavam loucos naquela história.
CHICO
E onde está o acaso objetivo nisso?
CLAUDIO
Ora, todas as coisas que ela vai encontrando, as fotos que vai tirando, as estátuas, quadros, etc. Tudo isso vem ao acaso e constrói ela de uma forma.
CHICO
Vou tomar a liberdade de interpretar de outra forma. Mas entendo o que está falando.
CLAUDIO
Interprete como quiser, afinal as pessoas também são como quadros, estátuas e fotos. Constroem a gente. Assim como interpretamos a arte interpretamos os outros.
CHICO
As pessoas são arte, mas a obra delas não é.
CLAUDIO
Tudo se interpreta.
CHICO
Eu leio isso aqui e não me faz sentido nenhum. Esse livro que você trouxe. Olha, e “a insígnia do jarro ateniense” que complicação.
CLAUDIO
Tudo bem. E quem disse que deve fazer sentido?
CHICO olha o livro, o copo, acende um cigarro olhando para CLAUDIO e levanta a mão indicando ao garçom mais uma cerveja. Olha novamente para CLAUDIO e solta a fumaça densa pelo nariz.
CHICO
Tudo bem, não precisa fazer sentido. Me esforço para aceitar essa idéia. Mas se não fizesse sentido essa escola não seria teorizada, não teria um nome. Ou este nome engloba todas as coisas que não fazem sentido?
CLAUDIO
Não, existem pontos em comum que formatam essa escola. E não é não-fazer-sentido que dá sentido. Eu só disse que isso não importa.
CHICO
Certo.
CLAUDIO
Por exemplo, às vezes você está lendo e sua cabeça te transporta para outro lugar que te diz uma coisa. Quando você vê está no fim da página e não lembra nada do que leu. Mas sua cabeça estava em algum lugar.
CHICO
Isso me acontece de vez em quando.
CLAUDIO
Isso é o que eu mais gosto nesses poemas surrealistas.
CHICO
haha, o que você mais gosta não é exatamente dele. No mínimo intrigante.
CLAUDIO
O que mais gostamos é o que nos desperta, não a natureza intrínseca das coisas.
CHICO(pausa longa)
É! o que eu gosto nessa cerveja não é o gosto ou a cor. É o efeito!
GARGALHADAS
CLAUDIO
E você está fazendo exatamente isso com ela.
SILÊNCIO
CHICO
O quê? Como assim?
CLAUDIO
Você está apaixonado por uma pessoa que sequer existe pra você, embora exista para o mundo. A única coisa que você conseguiu dela foi que seus olhos a vissem, nada mais. E ainda assim você está apaixonado. Talvez o que você mais goste não seja exatamente dela. Intrigante isso né?
FUSÃO PARA:
CHICO e CLAUDIO se despedindo, meio bêbados. O bar vazio assim como as ruas. Cada um vai para um lado.
PLANO ABERTO: CHICO caminha sorrindo para casa.