Bueiros paulistanos inspiram vozes destiladas..

Bueiros paulistanos inspiram vozes destiladas..

12 de agosto de 2010

O lado de dentro e o lado de fora

Ela entrou. Não era preciso mais que isso...entrou no metrô da manhã. Guilherme olhava mais olhava seu reflexo na janela que a cinza paisagem de São Paulo. Olhava pra si e olhava para fora ao mesmo tempo. Depois olhava pra si, depois para fora...e, olhando para fora viu dentro...dentro do vagão a um metrô e meio talvez, um pouco na frente não sabia ao certo, mas continuava olhando para fora. Ela... cabelos encaracolados, curtos na nuca, ainda úmidos, um óculos discreto, mas de grossas lentes. A mão que segurava a haste não trazia esmaltes nem anéis. Algo lhe chamou a atenção...olhou para dentro, mas foi rápido. Os globos atrás daqueles óculos miravam firmes para fora, eram olhos bonitos, não sabia ao certo porque... não eram azuis, nem verdes, nem mel...eram olhos bonitos mirando lá fora. Uma roupa simples, uma pele lisa, face serena, lábios ondulantes e bonitos, mesmo sem batom.

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- Jamais saberia que mora aqui perto – disse ele à ela naquele mesmo dia mais tarde entre um passo e outro saindo de um restaurante. Aquecido e com um conforto bom de se sentir com os ombros alinhavados ali.

- Tem muita coisa que jamais saberemos.

Como se essa frase lhe causasse angústia, se sentiu impelido, passou a mão pela cintura e ela lhe pousou a palma no cabelo puxando para si a boca insegura e a imprimido o toque macio de seus lábios. Que maciez inédita, que cheiro apaziguador...que sensação.

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Ela riu entre um olhar e outro para fora. Guilherme se endireitou no banco, algo lhe impedia de olha para fora naquele momento...olhava para dentro. Estava intrigado com a beleza dela. O rapaz ao lado dela não a olhava...parecia estranho. Talvez diria ser uma moça sem muita graça de ser, talvez pouco vaidosa, talvez com uns quilos a mais, ou com um óculos estranho, ou talvez um cabelo estranho de se ter. Guilherme se sentia qualquer coisa que mexe, tinha um sentimento de órgãos fora do lugar em seu estômago. Mas decididamente achou que tinha que pelo menos dizer a ela que era linda. Talvez melhore seu dia...pensou, talvez melhore o meu, ou melhor...já melhorou.

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- Alô!

- Olá, bom dia moça, perdi meu celular, você está com ele?

- Estou com ele, achei no banco do metrô.

- Que boa notícia, achei que não o veria mais, será que consigo pega-lo de volta?

- Bom. Está comigo.

- Onde você está? Se não sair de lugar nas próximas horas posso ir buscar.

- Estou no trabalho, só saio a tarde, se quiser pode vir buscar.

- Onde é? Me passe o endereço que vou já.

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As estações passavam e aquele incômodo no estomago de Guilherme aumentava a cada vez que o metrô andava. Por mais que tentasse olhar para fora, fora ela estava, refletida, mas lá. Guilherme passeava a cabeça, passava os olhos de relance, desviava, voltava, mirava os olhos dela ...que mistério agradável tem essa mulher. Olhava novamente...acho que ela percebeu...os olhares se encontraram por segundos a ponto de cair um balde de gelo no estômago desajeitado. Enrubesceu e olhou para fora novamente...mas olhava para dentro. Ele já não tinha dúvidas de que tinha de falar isso a ela. “vou pedir para segurar sua bolsa...não, vou oferecer meu lugar a ela...parece cavalheiro, simpático...mas não dá pra falar...tem essa tia do meu lado” e mais uma estação chegava. “vou escrever meu telefone no papel e lhe entregar...ou melhor, vou escrever que ela é uma mulher muito interessante, ou que é linda...mas aí parece uma cantada a toa...não...quando descer passo rapidamente e digo pessoalmente a ela e desço depois..fujo. mas de que valerá?” Guilherme agora não queria mais lhe falar, parecia pouco. Durante bons instantes teve vontade de beijar aqueles lábios, ali mesmo no vagão... meio fora meio dentro. Faltavam duas estações para ele descer. O coração descompassou, a sensação de jamais tornar a vê-la lhe angustiou.... inquietude...o maquinista anuncia “próxima estação....luz”. a composição acelerava no túnel, já não havia o lado de fora...tudo era dentro...sua cabeça acelerou também. “vou deixar meu celular cair na frente dela”. Afirmou.

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- Oi, que bom que você o achou, não sei nem como te agradecer, muito obrigado viu! – era ela, olhando para ele, parece que ficava ainda mais linda.

- Não precisa disso – disse sem graça. Mas quanta graça.... que sorriso lindo!

- Muito obrigado mesmo – silêncio.....o que falar?...silêncio – qual o seu nome?

- Marília.

- Marília! – silêncio...suor frio. Sentia o fio de conversa minguando – Marília! – repetiu olhando para ela – Marília, desculpe o mal jeito, mas preciso te dizer que você é muito encantadora, reparei em você no metrô, tem algo de inexplicável em você...uma leveza ... fico feliz de conhecê-la...posso te convidar para jantar? Seria uma honra se aceitasse... faço questão.

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Lhe pareceu a melhor coisa a fazer..não sabia se reveria o celular, não sabia se ela pegaria ou se outra pessoa, não sabia se correria atrás dele para lhe devolver ou se pegaria para si, mas foi rápido demais. Saiu. Cuidadosamente deixou cair ao seu pé como se não tivesse percebido. Naquele instante seus passos estavam mais leves, contidos, invadido por uma adrenalina e um sentimento de coragem pelo seu ato..impensado talvez. Não se segurava, ansiedade, satisfação, aventura...parecia um filme talvez, não tinha muita certeza, mas sentia um vento diferente no lado de dentro. Foi a uma banca, comprou um cartão telefônico correndo, achou um orelhão afastado e ligou para si mesmo.

Mais tarde, Guilherme segurava em sua mão o celular. Encarava aquele aparelho como um amuleto. Lembrava dela, de seus cabelos, seus óculos fundos, seu sorriso, seus lábios, sua roupa simples sua simplicidade. Se arrependeu. Colocou a culpa no metrô. Devia ter feito algo antes, devia ter lhe falado. Se ela não descesse uma estação antes, quando já havia resolvido deixar cair o celular. Se ele fosse atrás, fora do vagão, sem muita gente, talvez falasse, talvez dissesse algo..talvez. mas segurava o celular na mão na sua casa. Conformou-se em pensar que ela talvez pegasse sempre o mesmo metrô, no mesmo horário, poderia revê-la, pensar em algum um jeito de iniciar uma conversa....mas e se ela não pegar mais este metrô?. A cidade é tão grande, talvez não a veja mais...provavelmente não a verá mais. Conformou-se novamente e se sentiu besta imaginando as possibilidades daquela história ...mas existem tantos metrôs, tantos vagões, tantas pessoas que entram, tantas pessoas que saem tantas pessoas fora...tantas pessoas dentro...decidiu olhar mais para dentro e olhar mais para fora, ainda não sabia ao certo, mas passou anos dentro de vagões procurando algo nos dois lugares.

6 comentários:

Vitor disse...

Não sei se é sonho, ou imaginação, mas vejo cada vez mais que tentamos muito ser o que não somos....

Aline disse...

Às vezes, a gente fica tão alvoroçado entre esses dois lados que acaba se perdendo... Até se encontrar, sem querer...

Muito bom o texto! Nunca quis deixar meu celular cair propositalmente no pé de ninguém no metrô (rs), mas várias vezes me pego viajando, olhando pra dentro e pra fora pelo meu reflexo na janela daquele entra-e-sai... É tanta vida vagando...

Parabéns mais uma vez! Seus textos sempre me fazem olhar um pouco mais pra dentro de mim.

Um beijo da Psita

Anônimo disse...

E o que somos?
Talvez tentar ser o que não somos seja uma forma de ser... Ou não...

Anônimo disse...

é isso ai.... adorei....

mas dentro é sempre assim.... cheio de mente e de pensamentos?

pode ser fluído também?
sem pensar... apenas sendo!
no momento presente, sem mente (pois ela mente) sem expectativas!

q seja um presente o momento presente

Sandra disse...

Vitor,
Que coisa goatosa de se ler... Impossível não viajar junto, criando uma expectativa, uma oportunidade do encontro daqueles corpos, achei genial tua maneira de descrever as possíveis maneiras do encontro.Fico aqui pensando como é legal podermos ter nossa imaginção!!!! Também, pensei; como observamos pouco os detalhes que estão a nossa volta, como nos resguardamos, como pensamos sobre tudo e esquecemos tudo dentro de nós, quanto dos outros existe em nós! Criamos tantas expectativas em relaçõa aos outros, esperamos que as pessoas respondam aos nossos anseios, ilusão a nossa...Tristeza a nossa.
Penso que seríamos muito mais felizes agindo como gostaríamos realmente de ser.
Um abraço muito carinhoso.
Espero algum dia sua visita aqui em Santa Maria.
Sandra

Epicarmo Papoula disse...

Aqui está bom. Econômico e até mais audacioso. Mas tem muito de Geração 45 em você aínda, mas vá lá...

O lado de dentro...sublime

O lado de dentro...sublime