Bueiros paulistanos inspiram vozes destiladas..

Bueiros paulistanos inspiram vozes destiladas..

21 de maio de 2007

Conto - A vida àvida

A vida ávida


- Puta que o pariu mulher!!! Como você me coloca naftalina na máquina de lavar? ... Quantas vezes eu preciso te falar, me pergunta antes de usar essas coisas, senão você só faz merda. Olha!! Não saber ler é uma coisa, mas isso é BURRICE.
Teresa baixou lentamente a cabeça fazendo com que o seu obeso papo sobressaltasse a ponto de cobrir o queixo enquanto Cristina exibia com o braço estendido lateralmente o que restara da camiseta preta, agora repleta de manchas amareladas ... Teresa poderia com muita propriedade aproveitar de sua posição bovina para galgar uma chifrada na patroa – típica do bicho acuado. Poderia ... se seus cento e setenta e dois quilos não lhe causassem a atual morbidez. O máximo que ela fez foi esperar...esperar...esperar e esperar até que a patroa resolvesse chegar a conclusão de que não valia a pena. A mulher então arrastou seu corpo a passos sôfregos até um tronco de madeira que a suportasse, lá sentou exaurida da caminhada e, com muita dificuldade tirou uma pequena foto das entranhas úmidas entre o peito e o pedaço de pano que segurava a carne flácida ... Era um retrato 3 x 4 de seu filho ... cabelo tijelinha, olhar lustroso, radiante, sorriso fácil, rosto bonito, bem marcado .... Ela colocou o pedaço de papel na palma da mão direita aproximou da boca num gesto duro e deu lhe um beijo ... A baba rançosa e o pranto que corria livremente de seus olhos pálidos afogaram enfim o menino.
Completavam sete dias que ele sumira de casa ... A última aparição foi curta ... Ele entrou em casa aproximadamente às quatro horas da madrugada fazendo ranger a madeira que servia de porta para o barraco de quatro metros quadrados. Teresa acordou mas preferiu apenas acompanhar com os olhos a movimentação do filho. Ele tremia ... sem força ... os quinze anos distribuídos em trinta quilos mal permitiam que o garoto se agüentasse em pé. Ele sentou na quina da parede, encolheu-se como um feto e quase inaudível disse:
- Mãe, pede pra Cristina me ajudar....mãe, pede pra Cristina me ajudar...
Repetiu três vezes, sofrendo mais a cada letra. Ficou então em silêncio – a exemplo da mãe – depois se apoiou na cadeira ao lado, pôs-se lentamente de pé, arrumou sua mini-saia e seu top ... alinhando os seios postiços, arrastou novamente a porta e saiu.
Teresa sabia que o destino do filho era o estacionamento de caminhões na rodovia atrás da favela, onde se prostituiria a cinco...dois...um real dependendo do estado de abstinência de crack que ele estivesse. Lá mesmo, encostado em algum pneu ele se entorpecia....desalinhava o que restara de seu cérebro até criar coragem de levantar para arrumar alguém para come-lo ou uma chupeta rápida. Assim era sua rotina...Teresa apenas varria o quarto com os olhos, chorava sempre que chegava da rua, depois de agüentar o morro inteiro zombando de seu filho e de sua nefasta figura, e rezava do jeito que dava ... nem falar direito ela sabia quem diria conversar com Deus, pior ainda com o filho. Ela religiosamente chegava no barraco, fazia o que tinha para comer e ficava sentada na cama esperando que a porta se abrisse a qualquer momento e dela aparecesse o seu filho de verdade...aquele da foto... mas a única pessoa que aparecia era o homem que ela dizia ser seu marido.... ele empurrava a madeira gritando...totalmente bêbado...batia nela até cansar, pegava o pouco dinheiro dela, comia toda a comida largando-lhe a sobra, e saia para beber mais e comer o filho dela periodicamente.
A mulher enxugou o rosto, guardou a foto do menino no mesmo lugar ... a tempo de ouvir a voz ardida da patroa vindo de dentro da casa.
- Teresahh, vai tirar a merda dos cachorros que isso você faz bem.
Ela ia ... com a pá na mão direita, uma sacola plástica no braço esquerdo, ajoelhava na grama e engatinhava de monte em monte de merda recolhendo-os. Nesta relação dual, na qual os dois objetos de confundiam profundamente Teresa exercitava seus pensamentos lentos enquanto Cristina terminava de fazer as unhas. Ela em uníssono pensava: “o senhor é meu pastor e nada me faltará” ... e enchia a sacola de merda.

3 comentários:

GNovo disse...

Aê, Machadinho, uma virada de página em sua promissora trajetória literária... É isso ai, velhão, vida longa ao blog. Falei, falei, falei que sua página ia ficar cheia de comentários do pessoal da Fundação e – claro, para demonstrar que não carrego peso de competição – sou o primeiro a deixar cordeais, porém sinceros, bons votos aqui...hehehehe... Sorte-lo-ia desejar, mas a competência carrega-lo-á à fama...rs...^firmão, Machadinho?

Abraço.

Ju disse...

E eis que poderei desfrutar novamente de teus admiráveis textos ...

Simplesmente o máximo ... me cortou o coração!!!

Bjo

Ju Rett

Unknown disse...

to tentando identificar seus escritores favoritos,
eu pela minha longa ignorância
poderia citar Fernando Pessoa como referencia, pelas histórias humanistas
e até mesmo machadinho de assis.... não né.... bem é dificil de analisar suas vertentes vitor
vc é muito enigmático, apesar de mostrar muito, enfim
poderia dizer q ai t um pouco de allan poe.... complicado....
vc foi bem descritivo,
mas não foi cansativo como o allan

bem a única coisa q posso dizer q
adorei o texto, sofrido do jeito q eu gosto, mas realista também
(comentário extenso)
acredito q a maior influência pra sua escrita seja vc mesmo...
caro amigo
um abraço

O lado de dentro...sublime

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