Bueiros paulistanos inspiram vozes destiladas..

Bueiros paulistanos inspiram vozes destiladas..

31 de maio de 2007

Poema - Certeza

O poema abaixo foi escrito em meados de 2004, eu me encontrava então com dezessete anos bem conturbados. A inspiração veio de um caso cuja protagonista se mantinha fria e distante, meio indiferente e na manhã do ultimo dia escolar ela se permitiu e chorou quando nos abraçamos. No fim eu vim para São Paulo onde, recentemente a encontrei. Ficamos apenas falando amenidades. Em relação aos versos, foi mais uma das minhas tentativas toscas de brincar com as palavras. Os sentimentos eram sinceros mesmo, mas parece que foi um desafio, eu queria escrever um poema que mantivesse apenas duas casas de rima do começo ao fim justamente para que desce a sensação de compasso. O resultado dessa construção é vinte e seis linhas se alternando em final “ia” e “ava” até o final...tônica do passado. No fim das contas ele é bem bobinho, digno dos 17 anos de qualquer um de nós, mas tenho um carinho enorme por ele, pois no fundo não houve esforço para faze-lo, foi fluido e isso me causou à época um misto de alegria e satisfação. Vejam o que acham.


Certeza


Ao te abraçar naquela manhã fria,
descobri a verdade que você negava;
Junto ao teu corpo, meu coração mais forte batia,
junto ao meu corpo, teu coração saltava.
Naquele momento, do teu aroma eu bebia,
e tua pele me esquentava.
Viramos um só ser, uma só energia,
unidos por uma paixão que nos calava.
O tempo e o mundo; e a vida não mais existia,
a verdade agora se revelava.
A força do nosso abraço a tudo podia;
A força do nosso sonho a tudo arrematava;
Dentro do meu peito um calor ardia
a cada segundo que passava.
E a lágrima que dos teus olhos corria,
no meu coração desaguava.
Nesse momento, nessa invasão, nessa magia,
meu pobre mundo se acalentava.
A incerteza cessou, acabou a agonia;
A tua lágrima me curava,
Este liquido ... a poção que nos engolia,
e a flor da comunhão alimentava.
Nosso universo agora nascia,
e em nós dois se concretizava.
Tu não conseguiste negar o que sentia,
e eu não consegui negar que te amava.

(04/12/2004)

24 de maio de 2007

Conto - O 44, o 45 e a Ponte.

O 44, o 45 e a Ponte

Pedro deu um beijo selado na namorada, olhou com compaixão para aqueles olhos azuis, aquele rosto rubro, pro pijama colorido, ajeitou sua jaqueta com as duas mãos no zíper, deu um tranco e se foi. Desceu as escadas e saiu pra rua. Estava um ventinho chato no centro de São Paulo. Ele arquejou os ombros, acendeu um Minister, e com os olhos semi-cerrados andou dando profundos tragos e soltando a fumaça demoradamente. Dobrou a Avenida Passalaqua, chegou a Rui Barbosa, foi direto para seu flat. Silencioso abriu a porta do apartamento 44 e antes de entrar deu uma arquejada de cabeça para cumprimentar a dona Lúcia que todas as manhãs deixava seu apartamento habitável – bom dia! Virou e entrou. Olhou pra baixo e notou algumas correspondências. Estranhou, pois sempre entregavam as cartas na portaria, mas como ele não havia dormido em casa aquela noite, simplesmente abaixou e apanhou as cartas, descalçou o sapato, sentou na cama e começou a abri-las. Uma fatura do cartão de crédito, um cartão postal da sua filha que estava nas ilhas Fiji estudando arqueologia. Leu com o rosto sério e ao terminar deu uma entortada nos lábios, suspirou profundamente, balançou a foto e colocou na gaveta do criado mudo. Algumas promoções inconvenientes e no fim da pilha estranhou uma carta parda, sem pensar abriu e começou a ler:
“Querido,estou ansiosa por te encontrar finalmente, tenho passado muitas noites esperando por este momento, cada vez que leio suas cartas, afundo minha cabeça no travesseiro e compreendo o quão ínfimos somos todos perto daquilo que nos move. Você despertou em mim aquilo que eu havia desistido depois que o Lucas morreu, suas cartas são o conforto que permite meu sono. Mas amanhã deixarei de projetar, e poderei diante de você me encontrar. Chega de palavras soltas, chega de sonho, quero sua magia me preenchendo para ter certeza que existe saída. Grande beijo e até.
Ass. Patrícia
Obs. Troquei de celular, meu novo número é 7144-4534, me liga”

Pedro franziu a sobrancelha tentando supor que raios se tratava aquela carta. Ele a pegou, virou e viu que estava endereçada ao apartamento 45, com o nome de Luis Augusto. Ficou extremamente desconcertado, acabara de ler algo importante que não era para ele. Quis imediatamente entrega-la ao dono, mas não foi. Começou a pensar no rapaz, por volta de vinte e cinco anos, extremamente quieto, não falava com ninguém, vivia cabisbaixo pelos corredores, quando se encontravam, uma figura misteriosa. “Como essa cidade é cheia de histórias anônimas” concluiu com felicidade. Deitou e ficou relendo a carta com atenção, pensou também em Patrícia que encontrou naquele cara uma saída de sabe-se lá que problema. Ele desceu o elevador, foi até o orelhão e ligou. A situação era extremamente instigante, um homem de quarenta e um anos, sozinho, com uma vida pacata, viu ali a oportunidade de uma aventura sem limites.
- Alô, falou uma voz doce do outro lado.
- Oi, recebi sua carta, respondeu seco;
- Oi Lu, que bom que você ligou, eu adiantei meu vôo, vou chegar hoje, vamos nos ver mais cedo, ai, eu to tão nervosa.
- Que horas você vai chegar? Perguntou.
- As seis, em congonhas.
- Ok, te pego lá, estarei de calça dins, uma camisa listrada de vermelho e cinza e um sobretudo bege.
- Eu vou de jaqueta roxa.
- Tá certo, até breve então Patrícia. Beijo.
Desligou o telefone e se sentiu um menino arteiro, deu um riso e subiu pelas escadas até o apartamento, ainda deu uma olhada para o 45, pensou qualquer coisa e entrou. Passou o dia inteiro ensaiando um romantismo que a muito não tinha. Perto das quatro da tarde tomou um banho, pôs a roupa escolhida e pegou o ônibus para o aeroporto. Chegando lá, sem saber da onde vinha o vôo apenas esperou Patrícia na saída, não demorou muito e surgiu uma mulher, ruiva, aparentemente uns 34 anos, algumas sardas no rosto, linda, muito linda. Olhos vividos, sorriso fácil, deslizava mesmo com a mala, ela o viu de longe e a passos firmes foi em sua direção como quem vê o pai que já morreu a muito tempo vivo, ali. Ele sorriu, abriu os braços e recebeu Patrícia, que estava com os olhos lagrimejados, olhou fixamente para ela, passou o dedão na maçã do rosto, colheu o choro e deu um longo e sublime beijo nela. Eles foram para um bar e sem notar se entenderam, parecia que as coisas que ela dizia faziam sentido, ele não precisou interpretar nada, foi alguém que um dia deixara de ser. Eles conversavam por olhares, se beijavam com gosto. Foram até o apartamento dele e no elevador encontraram com Luis, abatido, olhar distante. Ela com a cabeça em seu peito e ele com a cabeça no acaso que os juntaram. Olhou como um pai para o rapaz ao seu lado, sem nenhuma preocupação com aquela alma moribunda. Eles desceram juntos, um entrou no 45 e fechou a porta, o casal entrou no 44 e ela imediatamente perguntou se o apartamento não era o 45, ele sem notar o erro que acabara de cometer, inventou que havia mudado recentemente para o da frente devido a umas goteiras. Contornou a situação sem problemas. Eles se amaram por toda noite, se entregaram, se encontraram um no outro, se consumaram.
Foi questão de tempo para que ele se apaixonasse perdidamente por Patrícia, uma paixão devastadora, fortalecida todos os dias quando acordava e via aquele rosto angelical dormindo ao seu lado. A namorada de Pedro estava desesperada atrás dele. Foi algumas vezes ao apartamento, mas ele se esquivava. Queria esquecer o Pedro que fora, queria esquecer sua história, queria se esquecer. Ela sumiu, ele também.
Um dia, ao chegar do trabalho Pedro encontrou Luis no sofá da recepção do flat lendo um livro. Ficou olhando aquela figura, sentiu-se intimamente intrigado, pensou em como seria a vida daquele ser. Um misto de angústia e culpa inundaram seu peito. Ele se aproximou, passou a mão na barba rala, sentou do lado do moço:
- Opa, que você está lendo? Perguntou meio displiscente.
O rapaz olhou por cima dos óculos, acanhado, respondeu com uma voz tímida:
- O estrangeiro, Albert Camus.
- Nossa!, eu adoro Camus, esse livro é bom pra caramba. Faz pensar muito sobre a vida, o jeito que ele fala sobre o sofrimento é destruidor. Faz um tempão que eu li, mas num esqueço não. Puta livro!
Luis abriu um sorriso verdadeiro, apaixonado. Eles começaram a conversar sobre o livro e rapidamente mudaram de assunto, falaram de um monte de coisas, estenderam a curva do rio, dobraram fugacidades, calaram o silencio...se gostaram. Ele subiu o elevador encantado com o conhecimento e a riqueza que guardava aquele baú daquele moço. Ao abrir a porta encontrou Patrícia com a toalha no corpo penteando os cabelos em frente ao espelho, deu um beijo nela e deitou na cama. Eles conversaram banalidades e foram dormir. Ficou religioso, todos os dias quando Pedro chegava do serviço estava lá Luis no sofá como que esperando para liberar conversas, e assim eles faziam. Luis era estudante de filosofia na usp, morava em Ribeirão Preto e veio bancado pelos pais estudar em São Paulo. Religiosa também era sua rotina ao chegar em casa, um beijo, banalidades, amor e juras. No meio da noite, ele levantava nu, acendia um cigarro, ia até a sacada onde via os carros passando, apenas tragava o cigarro pensando na vida que não era dele, no sofrimento que existia na noite do quarto da frente. Olhava a mulher que nunca fora da sua vida deitada na cama e desejava ardentemente que fosse... se ele tivesse uma vida. Olhava sua imagem refletida no espelho do outro lado da sala e via uma massa sem nexo. Uma lágrima involuntária sempre lhe escapava aos olhos neste momento. Um nó apertava seu peito, o sofrimento do quarto da frente escorria pelo corredor e o afogava. A que ponto chegou aquela história, porque cargas d’água colocaram aquela carta no seu apartamento?
Todos os dias ele sorvia o lírico das palavras de Luis e o desaguava dentro de Patrícia. Tornou-se uma ponte que une e separa dois destinos. Uma ponte sem nome, sem corrimão, sem caminho, sem imagem. Uma ponte edificada entre apartamento 44 e o 45. Nada que fizesse o libertaria deste poço que cavara.
Era uma quinta feira de vento chato no centro de São Paulo, Pedro chegou no flat, olhou para o lado e não encontrou Luis. Surpreendido, subiu para o apartamento e, antes de chegar ao 44 encontrou um pedaço de papel no meio do corredor, as portas dos dois apartamentos estavam abertas. Ele agachou, tomou o papel nas mãos já trêmulas, leu com voracidade, ergueu a cabeça, largou a maleta, e saiu em disparada para as escadas. Começou a subir desesperadamente os degraus, subiu, subiu e num golpe só empurrou a porta de acesso para o topo do prédio, olhou e viu Luis e Patrícia parados um de frente para o outro em silêncio. Um iceberg se chocou contra seu estômago. Começou a tremer, suas pernas arquejaram, ele se deixou cair de joelhos, as mãos no rosto em prantos, ergueu a cabeça e as palmas para o céu. AHHHHHHHH, emitiu o grito mais alto, mais sôfrego, mais desesperador de toda cidade, a única coisa que conseguia descrever o que se passava naquela mente.
Patrícia e Luis olharam ao mesmo tempo para o lado, viram o retrato de um sofrimento indizível até mesmo para Camus e não entenderam absolutamente nada.

23 de maio de 2007

Poema - As palavras

As palavras
Leve minhas palavras, leve.

Leve-as a leste,
a oeste
e aonde você for.

Faça que sejam em todos lugares
bem vindas,
pois elas são nascidas de Você.

Envolva-as por completo,
como elas gostariam de envolver Você.

E,
aos seus amores,
elas chegarão casualmente.
Assim como
casualmente eles chegaram a Você.

Elas são fotos, veja-as.

Elas cantam músicas, cante-as.

E,
Aos ouvidos descuidados,
elas tocarão lindamente

Assim como elas desejaram tocar você.


22 de maio de 2007

Soneto - Os olhos

Os Olhos


Quis um dia mergulhar nos olhos teus;
Nadar e nadar até a porta do fundo.
Abrir e descobrir em teu mundo
O encontro dos olhos meus

Quis o desencanto de um moribundo;
A clamar em tristes breus.
Gritando a um possível deus,
Que o lago dos olhos teus
É um poço mais que profundo.

Quis desta água uma corredeira
Arrebatando este peito a lavar
O medo e minha’lma inteira

Quis apenas erguer os braços e boiar
Quis pouco – de qualquer maneira
Pois hoje o que quero é em teus braços findar.

21 de maio de 2007

Conto - A vida àvida

A vida ávida


- Puta que o pariu mulher!!! Como você me coloca naftalina na máquina de lavar? ... Quantas vezes eu preciso te falar, me pergunta antes de usar essas coisas, senão você só faz merda. Olha!! Não saber ler é uma coisa, mas isso é BURRICE.
Teresa baixou lentamente a cabeça fazendo com que o seu obeso papo sobressaltasse a ponto de cobrir o queixo enquanto Cristina exibia com o braço estendido lateralmente o que restara da camiseta preta, agora repleta de manchas amareladas ... Teresa poderia com muita propriedade aproveitar de sua posição bovina para galgar uma chifrada na patroa – típica do bicho acuado. Poderia ... se seus cento e setenta e dois quilos não lhe causassem a atual morbidez. O máximo que ela fez foi esperar...esperar...esperar e esperar até que a patroa resolvesse chegar a conclusão de que não valia a pena. A mulher então arrastou seu corpo a passos sôfregos até um tronco de madeira que a suportasse, lá sentou exaurida da caminhada e, com muita dificuldade tirou uma pequena foto das entranhas úmidas entre o peito e o pedaço de pano que segurava a carne flácida ... Era um retrato 3 x 4 de seu filho ... cabelo tijelinha, olhar lustroso, radiante, sorriso fácil, rosto bonito, bem marcado .... Ela colocou o pedaço de papel na palma da mão direita aproximou da boca num gesto duro e deu lhe um beijo ... A baba rançosa e o pranto que corria livremente de seus olhos pálidos afogaram enfim o menino.
Completavam sete dias que ele sumira de casa ... A última aparição foi curta ... Ele entrou em casa aproximadamente às quatro horas da madrugada fazendo ranger a madeira que servia de porta para o barraco de quatro metros quadrados. Teresa acordou mas preferiu apenas acompanhar com os olhos a movimentação do filho. Ele tremia ... sem força ... os quinze anos distribuídos em trinta quilos mal permitiam que o garoto se agüentasse em pé. Ele sentou na quina da parede, encolheu-se como um feto e quase inaudível disse:
- Mãe, pede pra Cristina me ajudar....mãe, pede pra Cristina me ajudar...
Repetiu três vezes, sofrendo mais a cada letra. Ficou então em silêncio – a exemplo da mãe – depois se apoiou na cadeira ao lado, pôs-se lentamente de pé, arrumou sua mini-saia e seu top ... alinhando os seios postiços, arrastou novamente a porta e saiu.
Teresa sabia que o destino do filho era o estacionamento de caminhões na rodovia atrás da favela, onde se prostituiria a cinco...dois...um real dependendo do estado de abstinência de crack que ele estivesse. Lá mesmo, encostado em algum pneu ele se entorpecia....desalinhava o que restara de seu cérebro até criar coragem de levantar para arrumar alguém para come-lo ou uma chupeta rápida. Assim era sua rotina...Teresa apenas varria o quarto com os olhos, chorava sempre que chegava da rua, depois de agüentar o morro inteiro zombando de seu filho e de sua nefasta figura, e rezava do jeito que dava ... nem falar direito ela sabia quem diria conversar com Deus, pior ainda com o filho. Ela religiosamente chegava no barraco, fazia o que tinha para comer e ficava sentada na cama esperando que a porta se abrisse a qualquer momento e dela aparecesse o seu filho de verdade...aquele da foto... mas a única pessoa que aparecia era o homem que ela dizia ser seu marido.... ele empurrava a madeira gritando...totalmente bêbado...batia nela até cansar, pegava o pouco dinheiro dela, comia toda a comida largando-lhe a sobra, e saia para beber mais e comer o filho dela periodicamente.
A mulher enxugou o rosto, guardou a foto do menino no mesmo lugar ... a tempo de ouvir a voz ardida da patroa vindo de dentro da casa.
- Teresahh, vai tirar a merda dos cachorros que isso você faz bem.
Ela ia ... com a pá na mão direita, uma sacola plástica no braço esquerdo, ajoelhava na grama e engatinhava de monte em monte de merda recolhendo-os. Nesta relação dual, na qual os dois objetos de confundiam profundamente Teresa exercitava seus pensamentos lentos enquanto Cristina terminava de fazer as unhas. Ela em uníssono pensava: “o senhor é meu pastor e nada me faltará” ... e enchia a sacola de merda.

O lado de dentro...sublime

O lado de dentro...sublime