Bueiros paulistanos inspiram vozes destiladas..

Bueiros paulistanos inspiram vozes destiladas..

31 de outubro de 2011

A igreja de Nossa Senhora de Aparecida.

Rubrica - Uma única atriz, seis cadeiras em círculo de terapia coletiva. Cada passagem a atriz fala em uma cadeira diferente. Personagens com expressões, formas de falar e postura diferentes.

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I

[melancólica]

- Oi, boa noite. Meu nome é Clarice. Hoje faz 5 anos que eu deixei a prisão. ….. Fiquei em presidente Bernardes por 4 anos condenada por abandono de incapaz..... Me acusaram de deixar meu filho recém-nascido em um banco na praça sete de setembro lá em Aparecida do Norte. Eu acho aquela igreja muito bonita. Sinto uma paz muito grande quando vou lá. Apesar de ter sido ela que me condenou. Me contaram que o juiz era de uma ordem religiosa da igreja e, abandonar o filho diante da imagem santa ...foi mais que um crime. Mas eu não abandonei ninguém.


II

[Ingênua]

- Olá... bom, Meu nome é Carla. Não sei muito bem por onde começar. Eu acho que minha história é triste, mas também acho que existem muitas outras piores que a minha. Eu cresci sem mãe. Nunca me falaram nada sobre minha família. Nem pai, nem tio, nem vó..... talvez por isso me apeguei muito a igreja e a Deus. Eu ia sempre na igreja de Nossa senhora de Aparecida. Eu nasci lá, dizem. Quando eu ia lá gostava de de ver Deus falando, pela voz do padre. De tanto ir lá, mesmo sem ter família ou pais casados na igreja, consegui que o padre Júlio me aceitasse pra fazer a catequese e a crisma. Passei muito tempo na igreja nessa época. Um dia o padre Júlio me falou que lembrava de mim da época que eu comecei a ir lá, que lembrava do jeito devoto que eu o olhava todos os dias. Disse que eu tinha muita fé em meu coração e que eu poderia levar uma vida de devoção a cristo e se eu quisesse poderia ir mais lá fora dos horários para me encontrar mais com Deus. Assim eu fiz. Mas teve um dia que aconteceu uma coisa estranha. Na sala de espera, eu estava deitada de olho fechado rezando e senti uma mão deslizando no meio das minhas pernas. Era o padre Júlio. Eu era muito nova, não lembro se tinha 15 ou 16 anos, mas eu não tinha maldade...... não entendi aquilo. Ele tirou minha roupa ee.....e.......tirou a roupa dele. E doeu. Eu saí correndo depois daquilo...fiquei curando minha dor em um banco da praça sete de setembro ali perto. Depois de um tempo descobri que estava grávida.


III

[Segura]

- Boa tarde a todos!!! meu nome é Cristina, eu sou escritora de romances já algum tempo. Meu primeiro livro, o que me lançou no mercado foi uma história de uma paixão entre uma freira com um restaurador da igreja nossa senhora de aparecida. Que..tinham o hábito de se entreolharem sob afresco da capela. E o resto eu não posso contar porque eu quero que vocês comprem o livro..... Bom, mas não sei se ele foi bem escrito na verdade, ou se de fato é um bom livro, mas eu tenho a impressão que a vivacidade da minha memória pode ter me ajudado a dar mais vida aos personagens. É isso.


IV

[aérea]

- É...oi..rs. Bom, eu não sei muito bem por que eu to aqui. Ahh descupa, esqueci de me apresentar. Meu nome é Catarina, por que em grego significa pura, pelo menos foi o que o padre me disse. Ele que me colocou aqui. Disse que eu sou especial e tenho que ser tratada por pessoas que sabem tratar pessoas especiais. Que se eu ficar lá fora posso me machucar ou ficar vivendo outras vidas. Ele disse que minha cabeça tem muita gente, que eu crio elas, todas mulheres com nomes que começam com a letra C, por que o meu nome começa com C. Catarina meu nome. Eu gosto daqui, a dona Conceição cuida bem de mim, conversa comigo. Eu acho o nome dela engraçado. Mas eu também tenho amigas, a Cíntia e a Claudia.


V

[tímida]

- Bom dia, Meu nome é Carmelita e.... sou um pouco tímida. Confesso que, no meio destas lembranças não sei se minha história merece algum tipo de compaixão.

Eu pequei. Quando eu era freira conheci um homem chamado Carlos. Ele era restaurador. Tinha ido com a equipe para restaurar um afresco no santuário de nossa senhora aparecida. Ele me olhava de um jeito muito estranho, penetrante. Um dia ficamos um tempo sob o afresco conversando. Ele sabia muita história e, apesar de não ser religioso, entendia muito de religião. Alguma coisa entre aquilo que ele falava e seu jeito de ser fez eu me importar menos com minha condição. Íamos todos os dias no mesmo horário no afresco pra ver como estava ficando a imagem. Um dia ele me beijou de surpresa. Foi como se uma antiga sensação me invadisse, minhas pernas arquearam, eu não resisti. Ficamos ali mesmo e uma estranha sensação no fundo da memória me fez retrair. Não consegui me libertar....mesmo querendo.....eu queria sim....chorei...Ele se assustou. O padre entrou nesse momento e me viu abaixo dele chorando....ele foi preso. E eu nunca mais esqueci ele, abandonei a igreja....minha cabeça não estava boa....passei por períodos horríveis em lugares estranhos...mas hoje estou aqui.


VI

[leve]

- Boa noite, meu nome é Carol. Eu descobri a dramaturgia cedo, nos grupos de tetro bíblico do catecismo lá na cidade de Aparecida do Norte. Acho que eu sempre me identifiquei. Já encenei muitas peças de muitos autores diferentes. Já fui de tudo, já fui prostituta, louca, intelectual, freira..até detenta. Talvez eu tivesse sido mesmo. Quando a gente interpreta ou escreve uma personagem vive ela, empresta nossa vida e nossa voz. E muito do nosso passado, nossa história de vida ajuda a tornar aquilo real. E eu já vivi tanta coisa...mas não gosto de lembrar disso. Acho que eu redescobri a dramaturgia como forma de fugir de mim em outros, mas todos os outros que faço, no fundo são eu mesmo. Mas tem outras coisas que ouço e aprendo. Tinha uma senhorinha lá em aparecida que me contava cada história que já se passou ali, ela achava que aquilo tudo era pra acontecer ali mesmo. Não lembro direito o nome dela....Clara?, Clélia?....era com C, tenho certeza. Mas enfim, não importa....O importante é que eu estou aqui. Sou uma atriz, e amo o que eu faço. Obrigada.

5 comentários:

Day disse...

Então, estou aqui de novo... (Sob olhar saguinário do vigia...hahhah, minhas amigas cantavam essa musica no ensino médio)
Eu acho que não é legal que você coloque um nome caracterizando a personalidade de cada uma ou tentar descrever alguém, inventar alguém, pensando em uma característica. Talvez se fosse um homem (rsrsr). Mas mulher não. Se você conhece realmente uma mulher, saberá que a gente não é ou isso ou aquilo, mulheres sempre tem tudo de tudo. Não é como o horóscopo da folha de são paulo diz. Um mulher pode ser melancólica hoje e amanhã estar apaixonada pela vida. Ser segura quando for comprar um vestido e não saber que sabor de sorvete comprar. Não defina uma mulher com uma característica, e nem diga que há uma que sempre se sobressalta, por que não, não é assim que funciona com a gente. É o que eu penso sobre. talvez se vc me explicar melhor o objetivo do trabalho (você disse que é para um concurso?), terei outras visões...

Beijos, Vi. Boa Sorte

Vitor Machado disse...

É Day, achei um pouco estranho, mas necessário. No DCC a triz verá pela primeira vez o texto no momento de fazer a encenar. E temos só três minutos para dirigir. Então isso é para ela saber que tipo de voz dar àquela passagem. É um recurso para a leitura em improviso, não para definir ou caracterizar a pessoa, mas sim a fala dela. É uma forma da atriz se testar também. Aprendi destes DCC que os atores e atrizes dão alma ao texto...é uma parte fundamental...É isso, Obrigado pela ajuda..

Anônimo disse...

Achei interessante como usou várias personagens em uma só, como um "monológo",no qual a atriz quando interpretar poderá trabalhar os papéis de forma diferente, muito rápido e intenso.E como você sitou bem a igreja em todas elas, interligando as situações,só acho que alguns textos ficaram longos!Boa sorte,Mônica.
Ps:acho que andou lendo Fernado Pessoa.

Day disse...

Isso não é teatro Vi. Uma atriz boa mesma não vinge ser "a séria", não precisa saber que a história dela é a da "séria" para fingir alguma coisa. Isso não é uma explicação para o que você caracterizou. Uma atriz lê a história de uma jovem abusada e interpreta aquilo que ela sente lendo aquela história, se coloca no lugar de uma pessoa que viveu aquilo. A fala dela não será permeada pela característica que você deu e sim pela história. Para mim ainda é totalmente incoerente você querer caracterizar um mulher

Anônimo disse...

Acho que é teatro.
E acho sim que, numa proposta dessa, o autor precisa caracterizar suas personagens.
Por mais que a atriz leia um script, saiba a história e aquilo que sua personagem irá passar, ela precisa de um "q" mais profundo, pois por mais que as mulheres sejam todas iguais, elas são todas diferentes.
Apenas ler uma história não nos faz conhecedor da mesma. Pelo contrário, existe n e n possibilidades de interpretarmos, até porque depende de quem "viveu" aquilo... Se é uma decepção amorosa, a pessoa séria sofre de um jeito, a extrovertida de outro, a melancólica de outro. Não sofremos todos iguais.
Por mais que nos coloquemos no lugar de alguém, jamais saberemos de fato o que ocorreu, e por isso ACHO importante essa caracterização.
Aliás, isso não seria necessário apenas se fôssemos todos iguais, todos previsíveis, todos sofrendo igual ou precisando das mesmas coisas para ser feliz. Todos nós interpretando as mesmas coisas quando lemos algo....
Como acho que não seja assim, gostei muito da caracterização das personagens e da proposta!

O lado de dentro...sublime

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