Bueiros paulistanos inspiram vozes destiladas..

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28 de agosto de 2007

A última consulta


- Sim, e como você se sente?
- Como assim?
- Como você se sente, como pretende assimilar isso? São poucas as pessoas que conseguem chegar aonde você chegou.
- Não sei ainda, estou com medo doutor.
- Medo de quê?
- Não sei, minha cabeça nunca foi boa, você é a prova disso, cuidando dela todo este tempo.
- Sim, não há nada demais com sua cabeça.
- Agora não há mesmo.
- Isso.
- Tudo vai mudar doutor, tudo. Como é bom saber disso.
- Está se sentindo bem?
- Se estou me sentido bem? Claro que estou. Anos e anos com estes tormentos na minha cabeça e pela primeira vez vou conseguir me livrar disso. Muito obrigado doutor.
- Não precisa agradecer, você pagou por isso.
- Acho que a primeira coisa que vou fazer é falar para Márcia, ela precisa saber.
- Sim.
- Como será que ela vai receber isso?
- Se você souber contar, ela vai ficar feliz. Entenda, a cabeça de uma mãe que perde o filho nunca mais é a mesma.
- A gente nunca mais conseguiu transar doutor.
- Sempre te disse que é necessário um tempo para que se supere o trauma.
- São três anos já.
- Não fique aflito.
- Não, não estou. Quando eu contar isso para Márcia ela vai entender. Assim como o senhor fez comigo.
- Vá com calma.
- Se não fosse você para me ajudar, para me fazer entender esses tormentos.
- Eu não ajudo, muito pelo contrário.
- Claro que ajuda, você me fez entender. É uma imagem, eu tenho certeza, não tem como meu filho vir falar comigo.
- Este é um momento delicado.
- Eu gostava, chorava quando ele vinha com aquele rosto liso na minha direção, sorriso aberto.....e quando ele ia era duro, duro demais suportar a verdade.
- Isso não vai mais acontecer.
- A Márcia disse que o viu ontem, será que ele nunca mais virá falar comigo?
- Não, não vai.
- Mas.....e agora?
- Você deve se acostumar.
- Mas eu quero vê-lo de novo, doutor.
- Lamento, você acabou de cumprir a última etapa do processo. Quando sair daqui, terá um mundo cheio de possibilidades. Sua vida não será mais a mesma.
- Desfaça isso, quero ver meu filho.
- Existem coisas indissociáveis meu caro. Quando me procurou, disse que queria acabar com os tormentos, voltar a viver normalmente. É isso que estou te proporcionando hoje. Quanto ao seu filho, era o único meio de evitar a dor que tanto o atormentava. Seu sofrimento era fruto da realidade se confrontando com uma ilusão, uma destas partes deve não mais existir para que se restabeleça a normalidade.
- Obrigado por me dar a realidade. Sei que será duro, mas temos que passar por cima disso. Márcia vai entender.
- Pode ser que sim, pode ser que não.
- Vou tentar.
- Isso, tente.
- Muito obrigado, doutor.
- Não agradeça rapaz, fiz somente o que me pediu. Agora, se me permite, tenho que fazer uma visita e estou atrasado.
- O senhor vai para onde? Quem sabe posso te dar uma carona.
- Vou ver meu filho, não se preocupe, estou de carro.
- Sim. Deve ser estranho para o senhor ir conversar com seu filho com tantos casos de perdas que você atende.
- Não é não. Meu filho morreu há vinte anos, eu estou indo para o cemitério na verdade.
- Mas............
- É isso mesmo jovem. É uma pena que tenha escolhido a ilusão. Eu quis a realidade, por mais dolorosa que seja, cada um tem sua escolha. Acredito que existem dores que não podem nem devem ser apagadas....nunca. Adeus meu caro, siga seu futuro.

3 comentários:

Anônimo disse...

Escolhas, escolhas, escolhas...
O contexto é diferente, mas vou dizer que você também tem o "dom".
Um beijo carinhoso.

Ju disse...

Sem palavras


...
...




Bjo!

Anônimo disse...

??????

O desenvolvimento da narrativa é bom, mas deixa muitas dúvidas..... perdi algo?

bjo

O lado de dentro...sublime

O lado de dentro...sublime