Perdi minha poesia.
E poeta nunca fui,
mas sentindo a vida esburacar-me,
os dedos rijos de paralisia,
a voz virar grunhido
e o furacão da incerteza me inflando todo,
ao menos um poema acalmaria.
Procurava minha arte.
E de rima em rima
juntava um punhado de alma vazia
erguendo paredes invisíveis.
Escalava sobre o nada
e despencava em coisa fria.
Perdi minha poesia
em lugar nenhum e em toda parte.
Nas páginas de um livro mal escrito
a troca de dinheiro sujo e sono restrito
e nas contas da mercearia.
Perdi minha poesia. Perdi-me
no espelho quebrado de um quarto alheio
que pega meu rosto disforme, me multiplica e me reparte.
Perdi-me num copo de cerveja solitário
e nas páginas de um dicionário
buscando palavras guia.
Perdi minha poesia
no sonho da independência
E soubesse antes as agruras da idade
no berço permaneceria
Trocaria o próprio estandarte
Pelo abraço de minha mãe
que além de acolher me protegeria.
Perdi-me e perdido me despedia
Do lirismo apaixonado
que só os poetas expressam
no descompasso de um peito em batuque
ou na serenidade de uma manhã.
E perdido esfolei minha poesia
com likes de facebook e fotos de instagran
Perdi minha poesia
No transporte coletivo
Espremido horas por dia
Para chegar a lugar algum
Sem saber de onde partia
Perdi minha poesia
Nos textos garbosos dos falsos pensadores
togados da academia.
Fustiguei sonhos, briguei com os deuses
Enganado, talvez por eles
ao ler os livros de filosofia
Uma surra, um sussurro, uma pétala que ia.
E consigo deixava o peso
da razão e do bom senso
que, abraçados no leito moral,
usurpam a natureza
e castram a fisiologia
Mas ainda com olhos para olhar
E coração para se afagar
Desfeito em minha arquitetura
vislumbro o rastro de minha poesia
no carinho a mim deixado nas noites de formatura
quando quem gosto me sorri em gratidão e alegria
Uma nota de cem reais, um carro
um rodízio, um cinema, uma asfixia.
Em cada frasco que se procura, em cada quina de uma parede
As palavras já se perderam.
Rebelião organizada. Deserção por causa justa,
pois o corpo oco que habitavam
sem querer lhes despedia.
Restaram entretanto, apenas duas.
Um sarcasmo dos deuses.
Uma apontava o “dedo” e a outra “ria”
E eu cego, vazio, sem esperança
e sem recurso de morfologia
com dedos tortos me reescrevia
e com o riso, apenas ria.