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CENA 63: EXTERIOR. CALÇADA DO BAR – NOITE
PLANO ABERTO - BAR com mesas de madeira espalhadas na calçada. Os pedestres caminham entre as mesas lotadas de pessoas rindo e conversando.
ÂNGULO PLANO: Câmera caminha pela calçada até encontrar CHICO e CLAUDIO. Eles estão em lados opostos da mesa rente ao meio fio. Cada um folheia um livro e bebericam seus copos de cerveja.
CÂMERA OBJETIVA: CHICO olha as pessoas e para em Claudio (folheando o livro)
CHICO
Eu acho que não entendi muito bem o livro Claudio. Também não quero que você me explique. Para mim Rara de fato não parecia lúcida ao andar por Paris.
CLAUDIO
É! esse é um fato, mas vai além.
CHICO
Gostei muito daquela história de Rara ser o começo da palavra esperança e ela falar. Não por que é esperança, mas por que é o começo.
CLAUDIO
Se pensar bem, todos nós somos um começo a todo tempo. Ela mostrou isso.
CHICO
O ensaio sobre a loucura também achei muito bom.
CLAUDIO
Essa é uma outra coisa. Afinal ela estava louca ou não? O que é a loucura. Os dois estavam loucos naquela história.
CHICO
E onde está o acaso objetivo nisso?
CLAUDIO
Ora, todas as coisas que ela vai encontrando, as fotos que vai tirando, as estátuas, quadros, etc. Tudo isso vem ao acaso e constrói ela de uma forma.
CHICO
Vou tomar a liberdade de interpretar de outra forma. Mas entendo o que está falando.
CLAUDIO
Interprete como quiser, afinal as pessoas também são como quadros, estátuas e fotos. Constroem a gente. Assim como interpretamos a arte interpretamos os outros.
CHICO
As pessoas são arte, mas a obra delas não é.
CLAUDIO
Tudo se interpreta.
CHICO
Eu leio isso aqui e não me faz sentido nenhum. Esse livro que você trouxe. Olha, e “a insígnia do jarro ateniense” que complicação.
CLAUDIO
Tudo bem. E quem disse que deve fazer sentido?
CHICO olha o livro, o copo, acende um cigarro olhando para CLAUDIO e levanta a mão indicando ao garçom mais uma cerveja. Olha novamente para CLAUDIO e solta a fumaça densa pelo nariz.
CHICO
Tudo bem, não precisa fazer sentido. Me esforço para aceitar essa idéia. Mas se não fizesse sentido essa escola não seria teorizada, não teria um nome. Ou este nome engloba todas as coisas que não fazem sentido?
CLAUDIO
Não, existem pontos em comum que formatam essa escola. E não é não-fazer-sentido que dá sentido. Eu só disse que isso não importa.
CHICO
Certo.
CLAUDIO
Por exemplo, às vezes você está lendo e sua cabeça te transporta para outro lugar que te diz uma coisa. Quando você vê está no fim da página e não lembra nada do que leu. Mas sua cabeça estava em algum lugar.
CHICO
Isso me acontece de vez em quando.
CLAUDIO
Isso é o que eu mais gosto nesses poemas surrealistas.
CHICO
haha, o que você mais gosta não é exatamente dele. No mínimo intrigante.
CLAUDIO
O que mais gostamos é o que nos desperta, não a natureza intrínseca das coisas.
CHICO(pausa longa)
É! o que eu gosto nessa cerveja não é o gosto ou a cor. É o efeito!
GARGALHADAS
CLAUDIO
E você está fazendo exatamente isso com ela.
SILÊNCIO
CHICO
O quê? Como assim?
CLAUDIO
Você está apaixonado por uma pessoa que sequer existe pra você, embora exista para o mundo. A única coisa que você conseguiu dela foi que seus olhos a vissem, nada mais. E ainda assim você está apaixonado. Talvez o que você mais goste não seja exatamente dela. Intrigante isso né?
FUSÃO PARA:
CHICO e CLAUDIO se despedindo, meio bêbados. O bar vazio assim como as ruas. Cada um vai para um lado.
PLANO ABERTO: CHICO caminha sorrindo para casa.
5 comentários:
Há quem diga que no exercício de "amar" alguém, na verdade apenas nos apropriamos da outra pessoa como num mecanismo para amarmos a nós mesmos... Me fiz claro? rs...
Bacana a passagem, aguardo o roteirão pronto.
Abraços.
Hmmm interessantíssimo...ler o mundo pelas lentes desse seu óculos de aviador..!..
Simples e profundo assim..!!
Com trechos parecidos com o que esse meu olho aqui também vê, como passear por várias linhas e ler td o que não escrito.
Diferente e interessante assim...
Muito bom..!
Continua...rs
Renata Grisoli
Belo e Angustiante,
Belo pelas infinitas possibilidades que a "leitura proporciona" disponibilizando um leque de visões de mundo.
Angustiante pois escancara nosso verdadeiro lugar como mero espectador e apenas com uma maneira de ver as coisas.
Lembra muito "A Fábula do Conhecimento" do próprio Vitor....
Fabio Vivas Rodrigues!
No primeiro instante li e não
compreendi, talvez porque eu não
tenha a mente voltada para esse
tipo de escrita e como ela é
construída, mas agora, mesmo sem
o completo sentido me arrisco em
dizer que entendi o que esta
implícito nas entrelinhas das
conversas e pensamentos..
É inexplicavél, mas eu consigo
sentir..
Preciso concluir essa leitura..
Ficarei ansiosa para os próximos
fragmentos ou então para o roteiro
completo..
Parabéns!!!
Sempre maravilhoso!!
Um grande beijo..
Bom, eu conheço o ponto de partida dessa história, então... acho que ficou mais fácil pra eu entender do que você está falando (ou o que quer falar).
Achei interessante isso de "gostar mais daquilo que alguma coisa (ou alguém) nos desperta, e não exatamente da coisa (ou da pessoa)em si". Imagino que renderá bons frutos no desenrolar desse roteiro.
Quando ao diálogo, tá querendo dar uma de Tarantino é? rsrs. Achei o papo querendo ser intelectual demais. Me lembrou um pouco os diálogos daquela "dulogia" Antes do Amanhecer / Depois que o Sol se Pôr (ou algo assim), lembra? Conversa demais, divagações demais... E, no fim, desistimos do primeiro filme antes da metade...
Mas deixar as coisas cifradas, a princípio, pode gerar o efeito de "querer mais" no leitor-espectador. Pode ser que essa pitada intelectual-misteriosa seja só pra começar e que a pegada do roteiro não seja toda assim, e aí funcione. Vamos ver.
Maior comentário da história, hein, fala sério!!! Me deve uma cerveja rsrs
Beijos!
Psita
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