I
Pelo descampado campo
Trotando a passos leves
Vinha o cavalo sonhador.
O olhar fechado, os cascos batendo.
O cavalo mal ia percebendo
O fardo do seu labor.
Eis que, fatigado e feliz,
O sonhador começa a caminhar.
E vê, distante e bela, uma pequenina flor.
Tão pequena, mas tão imponente.
Uma planta forte e persistente
Por nascer só e desabrochar em cor.
Pétalas delicadas, bem cuidadas
Sem amigas ou pragas
Sem alguém para os olhos por.
Ali, a passo curto, o cavalo a notou.
A crina ondulante e a pétala dançante
Encontraram-se com temor.
- Que fazes aqui tão sozinha,
neste campo descampado?
Perguntou o sonhador.
- Que fazes aqui tão altivo,
neste campo descampado?
Respondeu e fina flor.
- Ora não sei, nasci para trotar.
- E eu nasci para desabrochar.
E riram com langor.
Assim, no poente do dia
O cavalo em companhia
Deitou ao lado da flor.
II
- Será que eu morrerei trotando
E você desabrochando?
O cavalo se pôs perguntar.
- Não sei te dizer de verdade,
mas se eu sair dessa terra, dessa realidade,
poderei não mais voltar.
O cavalo olhou de lado, comovido
E com a flor perto do ouvido
Silenciaram ao luar.
- É isso que você vê todos os dias?
Essa lua, essas estrelas e esse céu.
Não há como se cansar.
- Queria eu escolher o chão
onde fico e esparramo o grão.
Queria eu poder andar.
- Mas você pode linda amiga.
Não dê essa vida por vencida,
Daqui eu posso te levar.
- Conhecerá as rosas e as margaridas,
as orquídeas e tulipas floridas,
conhecerá tudo com o próprio olhar.
A flor, cautelosa e pensativa
Sentiu na brisa a alma viva
Sentiu o mundo lhe soprar.
- Não percamos tempo, vamos embora
vamos agora, conhecer a outra aurora
que se põe por trás do mar.
III
E contentes e resolvidos
Os dois seres sentiam-se impelidos
A cruzar o amanhecer.
O cavalo mordiscou o delicado caule
Levantou o dorso ao vale
E desatou a correr.
Os trotes rasgavam a relva
Subiam montes e corredeiras
Ao que se havia de conhecer.
Dali a flor foi vendo,
Chorando, rindo e conhecendo
O mundo além do ver.
E, aos risos e gargalhadas
A flor a trotadas largas
Foi murchando sem perceber.
Com o riso fácil e estampado
E o caule entretanto cortado.
A flor decidiu não mais viver.
O cavalo disparado a trote pleno
Não sentiu também o veneno
Que a fina flor pôs a sorver.
E, parando quase sem ar,
O sonhador resolveu sonhar.
E o chão sentiu o tremer.
E ali, numa outra vizinhança,
Com a mesma perseverança
Morreram sem o mundo conhecer.
Cada vez que recruto minhas loucuras, viagens e anseios com a experiência de qualquer coisa que não tenho, extraio disso uma destilação surreal. Escrevendo, sublimo essa coisa pelo ralo. A vagar por bueiros, ela encontra todo tipo de destilados da cidade, dos santos aos psicopatas. A amálgama humana se mistura, formando o mais intenso e real do pensamento e vai à superfície buscar as narinas dos transeuntes, mas são retidas pelas tampas dos bueiros que friamente censuram o regresso das idéias.
Bueiros paulistanos inspiram vozes destiladas..
10 de julho de 2008
Fábula do Conhecer
Postado por
Vitor Machado
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12 comentários:
Muito emocionante!! Não contive as lágrimas ao decorrer da leitura..
Uma história comovente e sensacional!! Com um final triste, porém não decisivo..
A vontade de viver, de ver coisas jamais vistas, lugares desconhecidos, sentimentos escondidos e para alguns algo impossível de acontecer, talvez a morte nesse caso, seja uma espécie de libertação da alma para um reencontro.. como que se assim eles pudessem viver o que de melhor existisse naquele momento e em todos os outros que estivessem por vir.. sem qualquer preocupação, apenas a de sentir a plena felicidade de viver intensamente!!
Para aqueles com um tanto de sensibilidade para entender cada palavra contida e seu real significado para a vida, fica uma lição importante..
Aquilo que o coração ama, fica eterno!
Simplesmente mágico! ^^
Adorei!!
Que os anjos continuem iluminando seus passos e sua mente para dar a mim e a tantas outras pessoas a satisfação de uma leitura prazerosa como esta.. Estou muito orgulhosa de você! Parabénss moço!!
posto aqui...para puxar sardinha e colher reações (afinal este é o intuito) o comentário de meu nobre amigo Armando, cujo filho será ninado por modesta fábula. como ele não pode postar, transcrevo a conversa de MSN.
Sr Mili diz:
cara num tem como postar......
Sr Mili diz:
meu de boa...
Sr Mili diz:
melhor q o pqno principe
Sr Mili diz:
fodaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
vitorfabricio@terra.com.br diz:
oooo valeu armando
Sr Mili diz:
mano
Sr Mili diz:
to ate agora imaginando a cena
Sr Mili diz:
a flor feliz....morreu pq ela viveu
Sr Mili diz:
fodaaaaaaaaaaaaaa
Depois do "Repulsa", um sopro de vida para os seus leitores!
Também me emocionei... Um lindo texto!
Beijones!
Não há críticas, somente elogios.
Entretanto minha leitura não é tão bonita como as demais postadas até o momento. Pelo pouco que conheço do Vitor e parafraseando Raul Seixas "Sei que o mais puro gosto do mel é apenas defeito do fel."
Pois bem, minha leitura é a seguinte.
No primeiro instante as adversidades da vida são suportaveis devido aos sonhos que nos mantem de pé, mas atenção, estes sonhos não são transcendentais são realizações imediatistas.
Na segunda parte entra em cena a pequena flor que muda a direção e o sentido dos sonhos do cavalo e que também é tocada por ele. Quando a consciencia da situação imperfeita que ambos vivem toma forma concreta, o imediatismo da lugar a realizaçãoes além de suas expctativas. Forma-se uma relação dialética.
Por fim a busca desse sonho destrói os dois. Essa é a essencia do idealismo, da convicção por alguma doutrina. É a abnegação do eu em prol daquilo que se acredita.
Mas afinal de contas se o cavalo não dissesse que existia margaridas como a flor iria saber. Por outro lado se ela não soubesse e morresse sem saber e sem desejar isso ela seria feliz.
Talzez não tenha sido bem claro, mas o que quero dizer com tudo isso é que o texto passou a imagem de que o que importa não é o fim almejado e sim o caminho percorrido!
Vitão...mandou muito bem!A trama é ótima e o "timing" incrível!E a mensagem...Fiquei emocionado. Parabéns pela criação, Criatura...rs. Se puder, veja o filme Cavalo Branco (está no Belas Artes)...parece estar na mesma frequência da linda "Fábula do Conhecer".
jorefinado
Realmente muito boa essa poe[ma]sia! O ritmo sugere identidades claras; a história, de amor que sempre fenece! A liberdade sempre tem um preço! A morte precisa ser bem entendida! O sentimento por certo --pedendendo de quem leia-- tenderá para a morte do mundo ou a morte sob a ótica espiritual. Uma leva à morte, ao choro lamentoso. A outra para a vida e outros lares!
A fábula é pura, linda, tocante... me emocionei muito!!!
Belíssima Vitor... parabéns!!!
Incrível como você sempre vem com algo excepcional... um post melhor que o outro... aliás... todos são demaisssss...!
Adorei! E viajava junto do cavalo e da rosa em cada verso...
Vitão!
Que lindo! Além de muito bem escrito, bastnate sensível, o que é fundamental para uma fábula!
Muito bom mesmo! Estou sem palavras. rsrsrsrs
Parabéns!
beijos
Camis
Vitor simplesmente linda e emocionante o cohecimento adorei a parte II . O texto como um todo é de uma leveza especial de sentido profundo e perspicaz te deixa a sonhar e conhecer. Parabéns e u beijã continue a escrever maravilhosamente.
Olá, Vitão,
Demorou, mas chegou, e assim sem querer o comentário saiu meio proseado meio rimado...rsrs
Não sei a definição de fábula, nem direito os elementos que a compõem,só sei que o intuito mais raro e belo que existe, o seu texto alcançou...
com simplicidade trouxe profundidade, com leveza, trouxe indagações e na junção e comunhão de sentimentos, me emocionou...
Parabéns!!!
Beijokas
Joyce
parabens vitão...vc tem muito talento..
muito emocionante...eu falo que as vezes vc nao existe...rsrs
bjss
Como vc faz isso comigo? Achei que se tratava de uma história linda de amizade e no final cá estou eu chorando de novo!!!!!
se eu ja nao te adorasse acho q te odiaria :P
Doca!
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