- É melhor você voltar para sua casa, eu já te trouxe muitos problemas – falou de forma ensaiada e direta.
Clara não respondeu, manteve o corpo estático.
- Eu te coloquei numa roubada e não quero que te aconteça nenhum mal, sou um fugitivo e não sei o que vai ser de mim daqui pra frente. Você tem que voltar.
Alguns segundos depois:
- Agente vai pra cidade, vende o carro e vamos de ônibus até o Mato Grosso do Sul, lá tem uma amiga minha que é dona de um restaurante. Eu peço para que você trabalhe lá, você passa um tempo com uma vida diferente, depois vê o que faz.
- Você não está entendendo, é arriscado pra você ficar andando comigo.
- Tudo é arriscado Rodrigo, é arriscado eu ficar em casa, é arriscado eu andar na rua, é arriscado viver. Você acha que estaria aqui se tivesse medo de correr riscos
- Você e eu temos uma vida pela frente, não acho certo se meta com um perdido que nem eu. Você tem uma família que gosta de você, tem estudos, tem grana.
- E eu vou ficar em casa, levando a vida que eu levo e esperando uma visita surpresa do tempo pra me matar.
- Não, mas você pode se dar mal, eu não quero isso. E depois que eu conseguir esse emprego que você falou, o que você vai fazer?
- Sei lá! Vou sair por aí.
- Você é muito sonhadora
- Isso é ruim?
- É!
- Porque?
- A vida não é assim Clara.
- E o que ela é então? Me responde – o choro subiu, a voz também – você acha que a vida é previsível? Você pode até prever pra quem você dá as cartas numa partida e quem dá as suas cartas?
Silêncio.
- Eu estava em casa anteontem e matei meu primo e você me diz que voltar pra casa é a melhor coisa a ser feita. E isso que aconteceu, eu esqueço? Fácil né?
Rodrigo manteve se em silêncio, respeitou o transtorno de Clara, se aproximou, deu-lhe um abraço, sentiu o angustiante soluço dela até que este se acalmasse, curvou as costas, pôs-se à frente dela, a mão subiu até o pescoço, o olhar penetrou a alma;
- Eu gosto de você, será que é difícil você entender que eu quero seu bem, por mais que eu queira que seu bem fosse do meu lado sei que não é.
O rosto de Clara assumiu uma feição séria e surpresa, a cabeça esvaiu. Ela se aproximou lentamente com o olhar fixo, transcendeu com a boca a um centímetro da dele. Ele venceu a distância e a languidez do beijo que se deu fez atar seus corpos.
A cama acolheu o longo beijo, o calor dos corpos se despindo demoradamente e o suor calado dos dois. Certamente este fora o ápice de sua longa existência e experiência. Quando Clara acendeu um cigarro a cama também o fumou. Abriu suas fibras e sentiu fluir a essência daquela fumaça. Clara olhava a brasa do cigarro. Rodrigo admirava a fumaça saindo de sua boca. Depois de um tempo juntos em comunhão de pensamentos Clara olhou para ele:
- Temos que ir.
Ele consentiu. Levantaram e foram se banhar.
Arrumaram as coisas, desceram, pagaram a conta e rumaram para o estacionamento. Quando chegaram no carro Rodrigo imediatamente viu a porta do porta-malas arrombada e encostada. Seu coração deu um salto. Clara estava olhando para o outro lado e não percebeu o desespero dele. Rodrigo abriu a porta e o que ele temia tinha se confirmado.
- Puta que o pariu!! – não se conteve
- Que foi Rodrigo – Clara perguntou depois do susto
Ele virou para ela, estendeu a mão indicando o porta-malas. Ela se aproximou e viu, ou melhor não viu. Não havia nada lá...o dinheiro fora roubado. Nada do que estava dentro do carro tinha sido levado, apenas o dinheiro. Pavor, foi o que Rodrigo sentiu. Clara ficou paralisada.
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Continua - Penúltimo capítulo semana que vem