Bueiros paulistanos inspiram vozes destiladas..

Bueiros paulistanos inspiram vozes destiladas..

10 de maio de 2012

Interstício - capítulo 8

Chico, quis que lesse isso...talvez seja bobo, mas é o que sinto neste instante.

Embora eu seja parte do meu ambiente, fujo do mimetismo. Como escultura em alto relevo, busco me destacar.
Como nas minhas músicas favoritas, arrisco expressões e gritos que tenham algum efeito.
Como se pela visão de olhos bêbados, busco algum movimento para o meu caminho.
Como numa alucinação entorpecente, busco cores aleatórias.
No fim das minhas frases, porém, percebo que não sou nada de concreto, não sou nada audível, não sou um conselho sóbrio.
Alienada é o que sou.
Não porque tenha me alheado da vida e do mundo que acontecem e se deterioram.
Porém, enlouquecendo, deterioro-me com eles.
Sento-me em frente ao espelho, e já não tenho gosto de olhar para o que está diante de mim.
Mastigando estes pensamentos como se fossem areia, deixo-me atrair pelo chão, que divide seu frio com meu corpo.
Percebo que essa massa, cujo rosto eu não quero ver, cujos olhos não posso encarar, é o que realmente vive.
E então, espere!
Movimento-me, toco-me no colo, olho meus pés, meus joelhos, minhas mãos, meus ombros.
Enxergo do meu nariz à extremidade dos meus lábios.
Eu sou um instrumento, e não preciso ver minha imagem refletida para saber disso. Alcanço qualquer parte do meu exterior e também dos meus sentimentos.
Eu posso ser tudo aquilo que quiser!
Já não preciso sentir frio para saber que estou viva.
Descubro que posso rodear meus braços por um corpo abrasador tão logo me coloque de pé em sua direção.
Sou feliz assim que penso existir realmente.
Descubro a cada dia que o que posso está sob minhas escolhas, e não sob meus talentos. Não está sob uma vida de aparências.
Assim, deixo que minha imagem se vá no sumidouro de um espelho muito gigante, enorme, a ponto de não comportar o que sou.
Engolindo os segundos, e os dias, e os anos, degrado e regenero meus pensamentos sobre mim mesma, vivendo uma verdadeira roleta russa.
Ideias mil se me apresentam.
Espero privilegiar as boas, sempre!

“Chegando na encruzilhada
eu tive de resolver:
para esquerda eu fui, contigo.
Coração soube escolher”
(Guimarães Rosa)

Um beijo
Espero logo conhecê-lo
(Rara)

4 comentários:

Vivaldi disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Vivaldi disse...

Bonito texto Machadinho, vai de encontro a questões que algum momento já nos tocaram, que nos afronta ou que nos afrontara em algum momento....
Minhas considerações dizem respeito a transição entre o dilema, a inquietação, da personagem para o momento seguinte já resolvido. A impressão que passa é que num estalo todos os medos dela foram miraculosamente resolvidos, sendo que o "natural" é isso se resolver num processo, nas experiências vivenciadas.
Considerando a estrutura do texto (concisa e coesa) talvez se comentasse uma situação na qual esse processo ficasse explicito o momento posterior adquirisse mais poesia....
De qualquer forma tanto uma parte quanto a outra considerando as ressalvas acima formam ótimas imagens e despertam empatia com a situação.....
Congratulations!!

Anônimo disse...

É vitão, como vc mesmo assinalou, o texto está se aprofundando...não sei do resto...mas acredito que estre trecho deixe claro a procura que vc esta fazendo ao definir quem são os atores da história.. interessantíssimo esse viés.!!!!..e campo para uma vasta descrição ..ainda mais diante da lente detalhista e profunda que vc tem....e bom...vamos ver se no final será só uma ficção...estou ficando curiosa para saber o final da forma toda..e acho que está um prato cheio para uma auto-análise do autor...

Renata

Psita disse...

Você tem uma sensibilidade muito grande pra criar imagens e sensações com a combinação de duas ou três palavras quaisquer. Mastigar pensamentos como se fossem areia...

Bom, achei muito bonita esta carta! Adolescente e, ao mesmo tempo, tão madura. Não sei se esse é mesmo o perfil da personagem que você está construindo. Claro que me deixo levar pela história que conheço, enfim...

Quero ver qual será o desabafo do outro lado.

Beijos!

O lado de dentro...sublime

O lado de dentro...sublime