- Welcome to my word! Bienvenido a mi mundo! Bienvenue dans mon monde! bem vindo ao meu mundo!
Carlos era um cara feio. Mas feio mesmo, vergonhosamente feio, mas não burro. Nunca fora, diga-se de passagem. Era autodidata, aprendeu línguas, filosofia, sociologia, antropologia...gostava de história, política e, embora nunca se enveredasse em bares e ambientes de discussão profícua tinha muitas idéias e opiniões a cerca das coisas. Quase que uma reafirmação darwiniana, sabemos no nosso íntimo que as pessoas feias, muito feias, acabam por correndo à margem na vida social. A história que não nos deixe mentir com os sacrifícios espartanos, ou o imaginário coletivo contido no patinho feio, o corcunda de Notre Dame ou o Slot. Carlos, aliás, já teve estes apelidos ao longo de sua adolescência. Ele tinha sim uns lábios tortos assim como os dentes de cima, era semi calvo aos 15 anos, muitas espinhas, uma magreza esquálida, um olho semicerrado...ainda assim sabia com anos de prática esconder os dentes tortos quando necessário, desenvergar a sobrancelha e olhar olho a olho com para as pessoas. Mas a vida em nossa cultura é dura para os feios. E nessa reminiscência primitiva da natureza humana Carlos foi um menino só...muito feio, muito sabido ...e muito só.
Por vez ou outra Carlos sentia um desconforto com o mundo, um ódio contido contra aqueles que o acometiam, com os produtos de beleza, com os desfiles de moda ou às propagandas que via. Fora suspenso certo dia da escola por emitir os mais absurdos impropérios à uma jovem que queria ser aeromoça. Naquela época, algumas profissões eram escolhidas tipicamente pelo porte físico das pessoas...e claro que Carlos indignava-se com tamanho grau de insanidade...hoje sabemos que isso continua, mas como o mundo é um tanto quanto burro, perpetuou espécies de feios pela pobreza e em qualquer lugar se encontra feios.
Um dia, porém, Carlos teve uma experiência que mudou sua vida. Foi visitar o tio em Minas Gerais. Mas não pense que foi em Minas que as coisas mudaram, aliás como diria o mineiro Guimarães, a mudança não estava na partida nem no destino, e sim na travessia. Ao chegar no aeroporto Carlos sentiu uma brisa confortante. Infinitas pessoas, desconhecidas, saindo de algum lugar e chegando a outro...pessoas perdidas em suas vidas, era a solidão coletiva. Carlos se afeiçoava a essa idéia, sentia-se bem em meio a tanto nada, uma espécie de purgatório onde todos passam e ninguém deseja ficar, mas a vida de Carlos era um purgatório. Aquele se tornou o mundo dele. Após voltar de Minas arrumou uma roupa boa, pôs em prática suas técnicas de esconder os dentes de desentortar os olhos, com seus idiomas fluentes passou facilmente para trabalhar como caixa do McDonalds e ali se tornou anarquista de fato. Além dos livros na estante. Saiu de casa, passou a morar no mundo dele, entre a ASA D e a ASA E. Ganhava ali, comia ali (não na lanchonete a qual tinha certo asco) dormia ali junto com os pernoites por acidente.
No trabalho fazia sua militância política. Na madrugada as pessoas de todas as partes do mundo que desembarcam e têm fome vão procurar algo mais próximo de sua realidade. E nada como uma rede mundial de fast-food para atrair os corpos inseguros e deixá-los como se estivessem em casa. E bem nessa hora, quando se sentiam-se seguras, as pessoas tomavam um susto existencial. BEM VINDO AO MEU MUNDO! Dizia Carlos nos mais diferentes idiomas, alegre e com o sorriso estampado, serelepe e horripilante de quem fere uma alma desatenta. Ele sabia de sua feiura á flor da pele e sorria mais, como se dissesse àqueles comedores mundiais de hamburgueres.....veja como meu mundo é feio!..perceba a feiura do meu mundo! Não se iluda com seus tênis, seus vestidos e suas milhas aéreas...você é turista? Veio ver coisas bonitas? Então está aqui o meu cartão de visitas!
Longe do olhar do gerente, que nunca olha de frente seus funcionários, assim como as câmeras que sempre vêm de dentro pra fora...Carlos estava dentro, infiltrado em meio a jovens buscando alguns trocados para irem ao McDonalds no fim de semana com suas paqueras...quem via de fora o via e se assustava. Vez ou outra esbaldava-se de felicidade quando percebia deixarem de comer seus lanches após pegá-los de suas mãos com afastamento ... sorria pela alma. Aquele era seu mundo e no seu mundo ele era o presidente anárquico e cidadão cosmopolita, ele ria como quem ria dele quando jovem. Ele era a ânsia do mundo dos outros. Um toque de realidade ao universo distante das valises ambulantes. Bem vindos ao mundo!!!
5 comentários:
Escrevi este texto entre uma tentativa e outra de dormir no aeroporto...vi as grandes redes de fast-food cheias de gente.....bom, vamos desconstruir isso..rs
Esse texto com certeza traz uma turbulência na mente.
Cuidemos de nossas almas desatentas, que serão feridas no decorrer da vida.A realidade fere. Sentir-se incomodado pela feiura é se afastar antes mesmo da pessoa dar as boas vindas...
Pretinha.
Carlos nada mais é q nosso retrato tentando se encaixar na sociedade,da forma que nos achamos esquizofrênicos antes de compormos a nossa sociedade civilizada, cheia de logicas que achamos que existem.
De Acordo...Aliás, eu ia tecer um comentário sobre a falsa sensação que o texto pode dar de nos julgamos belos ou alheios a isso. A feiura é a nossa. Não vemos o tamanho da feiura no que fazemos, no que vivemos e onde vivemos....
Aquele ou aquela que se julga belo(a) talvez se assuste com o tamanho de sua feiura.
Acho que o texto não da a sensação de sermos alheios ou belo, pelo contrário. Acho que ele traz a tona que a feiura está em todos nós, e o bacana dessa leitura é isso: cada um se assustando com o tamanho da sua feiura! Muito bom!
Pretinha
Postar um comentário