Bueiros paulistanos inspiram vozes destiladas..

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11 de janeiro de 2011

Quem é rebelde afinal? Jesus?

Era uma cidade pequena, até aí tudo bem, observemos bem. Mas em Medópolis tinha-se a sensação de olhos e ouvidos espelhados em cada poste. As pessoas tinham todos os dias na padaria, na igreja ou no ponto de taxi as mais diferentes e inusitadas histórias dos moradores daquele distrito. Não sei bem se tratavam-se de fatos ou falácias de um povo provinciano sem muito o que discutir senão os acontecimentos diminutos da vida dos outros. Mas devo dizer que muito ali era de certa forma verdade. Falo isso pois conheci Gabriel.

Por um desses encontros e desencontros do acaso Gabriel fora parar em Medópolis. Parte de sua educação advinha das escolas alternativas, vestia-se de um jeito peculiar, não acreditava em deus, e como se não bastasse usava camisas com dizeres do tipo “vai se fuder você que está lendo”. Tinha um gosto musical diferente, e certa proximidade com narcóticos, nicóticos e alcoóis. Bastou Gabriel chegar a cidade para se tornar conhecido. Um estranho ao modo de vida ali estabelecido. Fora tomado como rebelde pelas cercanias. Agora o que muitos não sabiam era que de rebelde Gabriel não tinha nada, era fruto de uma educação, era diferente talvez, hábitos diferentes, estilo diferente. Mas comprava coturnos como outros compram tênis e sandálias. Comprava pinga como outros compram vinho e cerveja. Comprava CDs das músicas favoritas como os outros faziam. Comprava como os outros compram, nada de diferente amigo leitor. De anjo ele não tinha nada, pelo menos que justificasse o anjo decaído. rs. E embora fosse repleto de discurso, tinha uma boa vida e certo desfrute dela. E sem notar pisava em seu discurso como uma criança aprendendo a andar.

Mas se fosse só isso estaria tudo bem, as pessoas achariam que aquele adolescente era rebelde, ele saberia que não era, era parte do mundo e vivia sob as mesmas regras sem infringi-las. Problema é que o adolescente Gabriel achou-se de fato alguém rebelde. Se achou em condições de persuadir pessoas áquilo cuja própria consciência frágil não acreditava. E como fizera Jesus milênios antes tornou-se um pregador às mentes acomodadas, entediadas e ansiosas por novidade. E assim como nosso rebelde Inri conseguiu ser ouvido, ganhou amigos, status e seguidores, por assim dizer. E se me permitem a continuação desta comparação, ambos falavam sobre aquilo que somente eles achavam correto. Claramente uma postura até certo ponto egocêntrica, mas aí sim uma grande diferença entre os dois: a benevolência? Os milagres? A cruz? Não, a única diferença entre os dois é que um veio depois do outro.

E Medópolis tinha olhos atentos, eram os olhos de cristo estampados na torre da igreja e nas pupilas dos transeuntes. E aquele garoto mimado só podia ser considerado um rebelde. Agora um rebelde com seguidores, é verdade. Mas como qualquer garoto mimado quando se excede a cota que o ego é capaz de suportar, a sensação de possuir as verdades se transforma na soberba da razão. Imagine, pois, um adolescente como Gabriel conseguir coisas por meio de suas palavras. E conseguiu, muitas coisas boas, já que qualquer diferença ali podia ser considerada benévola. Coisas ruins também, as mesmas aliás, vista por olhos de uns ou de outros. Mas da mesma forma que chegou Gabriel foi embora, deixou um legado no jeito das pessoas e na sensação de alívio das mães carmelitas.

Gabriel nunca fora rebelde, Jesus nunca fora rebelde, não subverteram regra nenhuma, eram mimados e diferentes e o diferente choca. O que os tornou um ou outro foram os olhos que os viram, a quantidade de seguidores e do que eles eram capazes. Simples, da próxima vez que encontrar alguém muito diferente que se julgar rebelde, lembre-se que ele pode ser mimado. Quem é rebelde afinal? O diferente em que sentido, quem subverte as regras ou que as usa para se benefício? Quem vive no mundo e tenta mudá-lo ou quem se mantem parado enquanto o mundo se transforma? Quem esta parado neste caso? Os olhos? Jesus? Gabriel? Eu? Você? É hora de repensarmos a rebeldia. O que você acha?



***texto da coluna de Janeiro na revista O que?***

6 comentários:

Vitor Machado disse...

Sem nenhum tipo de apologia, é mais a proposição para se pensar sobre as dicotomias da vida.

Juão disse...

Esse é o meu garoto:
"Mas como qualquer garoto mimado quando se excede a cota que o ego é capaz de suportar, a sensação de possuir as verdades se transforma na soberba da razão".
Continue com suas bem traçadas. Morro de inveja boa.

Grande abraço.

Diego disse...

Parodoxo?
Hum... talvez um pouco, porém muito sintético.

Áhlan !

Sara disse...

Refletir sobre a rebeldia...encontrei alguma semelhança com alguém nesse Gabriel..rsrs
....
Adoro seus textos Vitor, parabéns!!

Epicarmo Papoula disse...

Bom meu velho, começou o Ano bem! Mas se for adotar seu ponto de vista sobre a rebeldia (se for...)diria que mais rebelde que os dois supracitados é Édipo, por razões bem óbvias e enquadradas no perfil oferecido por sua linha de pensamento. Édipo, aquele...

Anônimo disse...

Vitinho, que texto magnífico!!!!Como sempre bem escrito, o que torna redudante minha fala,mas na sua essência crítico e real, hoje ser rebelde tornar-se uma palavra em vão, como ideológico. As pessoas não transforma-se e não querem, não tentam ou não percebem. A vida se faz disto de ilusões políticas e visionárias de cada um de que nos rodeiam e que nos fazem como tais. Mônica

O lado de dentro...sublime

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