Querido irmão,
Gostaria, primeiramente, de pedir desculpas pelas duras palavras que lhe dirigi há dois dias. Não nego o sentimento latente em mim quanto às suas atitudes. E de reafirmar que, do que disse, muito é verdade. Acredito, porém, que nossa união nesse momento de conturbação é mais importante que as prateleiras da loja ou seu comportamento ocidental. És um Li, está no seu sangue e isso não há como negar.
Refleti muito sobre minha outra carta (e acredito que nesse momento em que escrevo você deve estar lendo com rancor) quando eu mesmo comecei a arrumar as coisas aqui em casa. Joguei fora a antiga cama de palha onde papai morrera; deixei somente a que era sua, que está mais conservada. Hoje durmo nela. Limpei com creolina e água sanitária o chão todo. Mudei uns móveis e deixei mais arejados a sala e o quarto. Confesso também que começo a sentir falta dos jogos do Lakers, é difícil ficar sem a televisão para zapear e passar o tempo. Hoje, olho e olho da janela, aquelas montanhas, que continuam as mesmas de quando saímos daqui. Elas são tão pacíficas, tão sóbrias e remetem igualmente às minhas memórias de menino aqui, quando não as olhava desse mesmo modo, e ao que está atrás, a você, a Tung.
Esta noite receberei Aiko em casa...Talvez você tenha notado o frêmito de minhas frases...ela tem me feito muito bem. Apesar do tempo, os olhos não mudaram...continua vivaz. Lembro-me de lhe ter contado nossa história, foi minha primeira mulher e agora parece que o acaso caminha para que seja a última.
Desculpe a brevidade, mas espero que minhas desculpas sejam aceitas e aguardo ansiosamente mais novidades suas daí. Se Tung perguntar desta vez, diga que estou bem e lhe mande um beijo.
Fica um para você também.
Até breve.
Cada vez que recruto minhas loucuras, viagens e anseios com a experiência de qualquer coisa que não tenho, extraio disso uma destilação surreal. Escrevendo, sublimo essa coisa pelo ralo. A vagar por bueiros, ela encontra todo tipo de destilados da cidade, dos santos aos psicopatas. A amálgama humana se mistura, formando o mais intenso e real do pensamento e vai à superfície buscar as narinas dos transeuntes, mas são retidas pelas tampas dos bueiros que friamente censuram o regresso das idéias.
Bueiros paulistanos inspiram vozes destiladas..
8 de fevereiro de 2008
Jili, China, 05 de Janeiro de 2003
Postado por
Vitor Machado
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Um comentário:
Essa história não vai continuar não?
Ou será, que o motivo da demora, é a lentidão postal China/EUA?
Será que alguma carta extraviou? hahahahahaha
beijos
Camis
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