Bueiros paulistanos inspiram vozes destiladas..

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21 de julho de 2015

Como colocar um bebê em uma máquina de moer carne



Um bebê de um ano, após mamar em sua mãe está diante de um aparelho de televisão e é hipnotizado pelas vistosas cores de um desenho. Aquilo o entretém, de modo a identificar a semelhança e a diferença entre os personagens e ralha, a seu modo, com a mãe caso esta última mude o canal. Em pouco tempo, o bebê associa o término da refeição matutina com o desenho. Se ouve o tema de abertura, compreende que iniciará seu prazer. De noite, enquanto sua mãe vê outros programas o bebê tem diante dos olhos uma mulher seminua que caminha de biquíni na orla, enquanto os homens a seguem com o olhar e sorriem. Mas, como ele já sabe identificar as pessoas, percebe pela repetição de casos que podem mudar as mulheres, embora elas sejam muito parecidas, e podem mudar os homens, mas a reação será sempre a mesma. Uma mulher seminua, um olhar e um sorriso. E um dia, já caminhando tropegamente na rua, o bebê vê um homem sorrindo com aquela expressão familiar e ele automaticamente procura pela mulher seminua.
A causalidade é um dos primeiros processos de assimilação cognoscente
do desenvolvimento psicogenético humano. Isso implica dizer que é por meio dela que leis e quantidades físicas são percebidas, como a queda dos objetos, a dor no contato com o fogo, etc. Quem explanou este papel de forma sistemática foi o filósofo e educador, Jean Piaget em um longo e detalhado estudo teórico e empírico, preocupado com o desenvolvimento da inteligência humana do nascimento até a fase adulta dos seres humanos. A grosso-modo existem quatro fases do desenvolvimento psicogenético: 1) O período Sensório Motor: Se estende do nascimento até aproximadamente os dois anos de idade. Nesta fase, a criança tem reflexos neurológicos básicos. Ela começa a construir esquemas de ação para assimilar mentalmente o meio. A inteligência é prática. As noções de espaço e tempo são construídas pela ação. O contato com o meio é direto e imediato, sem representação ou pensamento. A causalidade se manifesta em ações imediatas; 2) O período pré-operatório, dos 2 aos 7 anos, destaca-se a inteligência simbólica. Nesta fase a criança é majoritariamente egocêntrica por não conseguir se colocar abstratamente, no lugar do outro. Ela não aceita a ideia do acaso e tudo deve ter uma explicação (os "por quês"). Nesta etapa a causalidade desempenha um papel fundamental. A ideia de causalidade se faz presente quando a criança percebe que ela é um objeto no mundo e que ela pode interagir com outros objetos e ainda, que estes objetos interagem e causam efeitos entre si. Com a ideia de diferenciação entre meios e fins a criança adquire uma série de conhecimentos fundamentais sobre a natureza dos objetos, bem como suas possibilidades de ações sobre eles. 3) O período operatório concreto (7 aos 11) que a criança noções de tempo, espaço, velocidade, ordem, casualidade, são plenamente desenvolvidas. A criança já é capaz de relacionar diferentes aspectos e abstrair dados da realidade. Com a causalidade estabelecida, os esquemas de ação também o são. O desenvolvimento cognitivo necessita, para Piaget, da tomada de consciência das relações causais procedentes das ações do próprio sujeito, diferenciando-as das relações entre os objetos. A causalidade conduz aos "fatos" e às "leis", a partir de propriedades observáveis. Mas a "leitura" dos fatos supõe instrumentos de "assimilação", que não passam de formas de organização que dependem das estruturas operatórias construídas pelo sujeito. 4) No período operatório formal (12 em diante), a representação agora permite a abstração total. A criança não se limita mais a representação imediata nem somente às relações previamente existentes, mas é capaz de pensar em todas as relações possíveis logicamente buscando soluções a partir de hipóteses e não apenas pela observação da realidade. Em outras palavras, as estruturas cognitivas da criança alcançam seu nível mais elevado de desenvolvimento e tornam-se aptas a aplicar o raciocínio lógico a todas as classes de problemas.
Antes de prosseguir, e expor Piaget a críticas fugazes, devo salientar que o esquema acima é bastante simplório e sinódico de seu trabalho. Ademais, ele mesmo em seu modelo, prevê o papel determinante do meio neste processo; reconhece as grandes diferenças entre crianças de modo que não são fixos e nem rígidas tais etapas, de modo que ele mesmo subdivide cada fase em outros grupos, de modo a se aproximar de uma linearidade neste desenvolvimento que tem alterada seu período de ocorrência, como no caso de surdos-mudos, mas a estrutura se mantém a mesma. Além disso, Piaget também deixa claro que o desenvolvimento cognitivo é um dos processos de formação humana no qual estão implicados outros. Nos anos seguintes aos trabalhos de Piaget, diversas novas linhas surgiram para preencher estas lacunas nas quais, mesmo do ponto de vista da psicologia ou de outras áreas. Sabe-se, sem nenhuma dificuldade que a formação de um indivíduo é extremamente complexa, está sujeita e é mediada por fatores cognitivos, emocionais, pictóricos, semióticos, éticos, estéticos, afetivos, morais e ideológicos. E é neste certame que se localiza a raiz da defesa que pretendo elaborar.
Em primeiro lugar, os trabalhos de Piaget, da teoria psicogenética priorizam o desenvolvimento humano como o desenvolvimento das funções racionais. A causalidade e a lógica matemática supracitadas exemplificam isso. Em segundo lugar, seus trabalhos datam do início dos anos 1970, como resultado de pesquisas realizadas na década de 1960. Não é preciso ir longe para descobrir que o contexto mundial se alterou de forma significativamente sobretudo com a expansão das tecnologias de comunicação e informação, assim como a massificação dos meios de mídia. Assim, da mesma maneira que o desenvolvimento cognitivo é influenciado por uma série de fatores não racionais, ele também o é ao longo do tempo e em seus contextos de ocorrência.
Sabemos que a racionalidade ocidental é extremamente fundada na lógica aristotélica e em princípios como o da identidade e o da não-contradição. Mas podemos também imaginar que muitos anos antes de Aristóteles e a constituição da sociedade grega, o desenvolvimento cognitivo das crianças era afetado pelos cultos, valores, danças e ritos. E que antes de haver danças e apreço estético este desenvolvimento seria distinto. E a pesquisa antropológica tem mostrado que existem outras lógicas que estruturam outras realidades no mundo oriental, e nas diversas etnias ameríndias[1]. Tais exemplos possibilitam afirmar que o desenvolvimento cognitivo está sobremaneira associado ao contexto, cultura e história, além da própria fisiologia. Assim, para os experimentos de Piaget, não haviam em sua época uma amplitude de canais de televisão, formas de mídia, meios e instrumentos de informação. Hoje, grande parte das crianças nascidas no mundo, são postas diante de canais de televisão desde os tenros meses de sua vida. Esta exposição, pretendo mostrar, altera a estrutura psicogenética do desenvolvimento e, no caso brasileiro, sugestiona desde a lactância ideologias dominantes por meio, sobretudo, dos mecanismos semióticos e da causalidade.
Até então, poder-se-ia objetar acerca do posto, que a exposição midiática das crianças ocorre em nível global e, portanto, tal tese também encontrará ressonância neste nível. Incorrerá o objetor em um problema de causalidade aparente. Isso porque nem o contexto considerado é o mesmo tampouco a forma de produção de mídia o é. E neste ponto o Brasil se destaca por confluir características peculiares em sua forma de produzir conteúdos de mídia e os ter como instrumentos formativos de muitas crianças.
No Brasil, durante séculos a educação foi restrita a um grupo reduzido de pessoas. O período colonial foi marcado por poucos colégios jesuítas para as famílias aristocratas. A população em geral não tinha acesso à escolarização. Com a vinda da família real, a instalação de escolas militares, museus, bibliotecas, escolas de medicina, direito e a vinda da missão francesa ao Brasil começaram a figurar no que seriam primórdios de uma institucionalização do ensino. Marcado novamente por uma extrema desigualdade social, apenas as famílias ricas tinham acesso. Em 1824, a primeira constituição prescreve a instrução primária e gratuita para todos. Mas a expansão territorial, e avanços na demografia nacional assim como nos sistemas de produção e tecnologia fizeram com que aos poucos surgisse a necessidade de mão de obra para o mercado básico de trabalho. Nesta época se instalou em iniciativas muito tímidas algumas escolas em lugares mais populosos. Foram os famosos colégios e liceus espalhados pelo país. Mudando os nomes sem contudo mudar os princípios, frequentavam os colégios os filhos da burguesia. Na emergência do mundo urbano-industrial, as discussões em torno das questões educacionais começavam a ser o centro de interesse dos intelectuais. E se aprofundaram, principalmente devido às inquietações sociais causadas pela Primeira Guerra e pela Revolução Russa que alertaram a sociedade para a possibilidade de a humanidade voltar ao estado de barbárie devido ao grau de violência observado nestas guerras. A necessidade de se ganhar dinheiro em uma sociedade como a brasileira afastava crianças das poucas escolas. Depois de um governo Vargas no qual o capitalismo dava mostra de crises no mundo mas no Brasil se fortalecia em torno das mãos de obras de baixo custo, o período ditatorial brasileiro contribuiu consideravelmente para a desigualdade social, como para a difusão dos meios de mídia.
Por um lado, o expansionismo econômico, impelia um processo migratório volumoso de mão de obra barata para as grandes cidades. Pessoas com suas famílias sem acesso à escolarização. Trabalhadores fabris de uma riqueza de poucos. Por outro lado, o símbolo do crescimento denotado na ditadura, se fez por meio das tecnologias, em especial as TVs. Grandes fábricas para cá vieram e em pouco tempo, com incentivos, grande parte da população tinha acesso aos aparelhos de TV. Mas, em uma via escusa, o governo militar dava concessões de canais de TV aos grupos cujo interesse comercial e político somente reforçava a ideologia dominante. Este quadro ofereceu talvez a pior perversidade da história do Brasil que perdura até hoje. Milhões de famílias pobres, cujo acesso de entretenimento eram os programas de TV gerados por emissoras com concessão pública notadamente difusoras de conteúdos de interesse de um governo militar. Para os pais e mães das famílias pobres, enquanto seus filhos não se constituíam em força de trabalho eram cuidados e “educados” pela televisão. E expostos aos milhares de horas de programação ao longo da infância, as crianças já viram de tudo. Violência, erotismo, desenho, notícias, publicidades, valores. Seus pais, no curto tempo em que estão em casa também são expostos à conjecturas éticas e valores políticos os quais eles, desprovidos de educação crítica, absorvem como conteúdo de verdade. Assim, um ciclo vicioso se estabelece no qual valores ideológicos são inculcados, a docilidade perdura, e os discursos se introjetam. No Brasil, mais que muitos países, a mídia assumiu, como consequência de uma quadro social grave, um papel elevado na educação dos cidadãos. Dos meios tradicionais que compõem a educação de um indivíduo, ou seja, a família, a escola, as instituições religiosas e a mídia, no Brasil até alguns anos atrás eram estas duas últimas as principais mantenedoras da educação dos nossos concidadãos. A família exaurida pelo modelo de produção delega a educação à escola, cujo acesso e condições são pífias e quando não o faz, deixa a caso da mídia. A escola, por sua vez, herdeira de tradições pedagógicas importadas de outros contextos, e cujo principal valor figurante era a racionalidade cognitiva, espalhava Piaget em seus métodos, sem notar que, ao fazê-lo, perpetuava estruturas de poder. Nos países com níveis elevados de educação, são os dois primeiros (família e escola) os principais pilares da educação dos cidadãos. Assim, quando em 1996, pós ditadura, a lei de diretrizes e bases da educação brasileira é promulgada, o quadro social e educacional brasileiro é completamente vicioso.
Não parece ser necessário estender-se sobre o papel mantenedor da ideologia dominante nas grades de programação. Seu modo de sobrevivência, seus donos e seus poderes fazem das emissoras de TV empresas de extrema influência na formação das pessoas. Seja por meio da publicidade, seja por meio de valores morais, como os expostos em telenovelas, seja ainda pelo discurso noticioso que é na maioria das vezes lacunar. O discurso empregado pela mídia costuma usar do que chamarei de “causalidade aparente”. Assim, por exemplo, é comum que se apresente o fato da notícia associando suas causas aos elementos secundários. Este processo é sutil, mas de forte corroboração lógica. Por exemplo, pode-se noticiar sobre a falta de água em uma certa região e na sequência citar a ausência de chuva. Este exemplo mostra uma causalidade aparente, na qual a pessoa associa como a falta d’água na sua residência à falta de chuva. Assim, exime-se de qualquer responsabilidade os inúmeros órgãos envolvidos neste processo. Assim, se confrontado com a informação, de que países nos quais os índices pluviométricos são muitas vezes menores que aqui, não sofrem com falta d’água, o indivíduo que tomou a causalidade aparente como verdade talvez não modifique seu esquema conceitual. Ou seja, por meio da informação, ou da forma pela qual esta é transmitida, valores ideológicos se introjetam, fazendo com relações causais escusas sejam mais fortes do que o complexo causal que envolve um fato.
Isto ocorre notadamente no discurso noticioso, mas, e acima de tudo, de maneira sutil em todas as formas de veiculação de conteúdo e para todas as faixas etárias. Piaget precisa ser revisitado para o caso brasileiro. Como primeira ponderação, já em meses de idade uma criança colocada diante de uma TV reconhece formas, cores, movimentos, por meio da via não concreta. Ou seja, por meio dos símbolos imagéticos representados no aparelho.  A fase compreendida como sensório-motora não lida apenas com o concreto imediato, mas já traz ao bebê um universo abstrato de símbolos que ele reconhece, assim como reconhece sua causalidade, por mais que ele ainda não disponha de estrutura linguística. O exemplo dado no início deste ensaio no qual uma moça de biquíni passa e os homens a olham, tenta trazer um modo pelo qual, por meio da repetição de estereótipos, uma relação aparentemente causal é estabelecida sem a utilização da linguagem formal. Mais que o estabelecimento de uma relação causal está o condicionamento que é ideologicamente inculcado. Neste sentido, há uma antecipação na construção de esquemas rudimentares de pensamento baseados no estímulo repetitivo causal. Ao antecipar a percepção de relações causais e estereótipos as etapas subsequentes também carregarão alterações.
No período pré-operatório (2 aos 7), onde efetivamente as estruturas simbólicas são desenvolvidas, o desenvolvimento da linguagem reforça tais estruturas. A criança já percebe o mundo ao seu redor e o mundo dos símbolos pictóricos da TV, smartphones, tablets e vídeo-games. Aliás, não é incomum, com menos de dois anos vermos bebês entretidos com tablets e telefones celulares. Mas, por ainda se tratar de uma minoria populacional, sua amplitude ainda é restrita. Uma criança exposta a meios tais está diante de influências multimodais de comunicação. Um comercial traz gestos, músicas, sensações, imagens e frases cada qual representando um meio pelo qual o intuito do vendedor é construído. Talvez seja esta a fase de maior influência destes meios na formação do indivíduo. A criança encontra-se na fase egocêntrica, buscando causas, a exposição da criança a discursos com falsas causalidades, ou estereótipos é ainda maior devido à televisão e internet. Une-se uma tentativa de explicação das coisas, a modelos causais já desenvolvidos e estimulados, uma percepção multimodal de comunicação e o egocentrismo no qual as explicações são gravadas na memória com poucas intervenções da criança. Por exemplo, uma criança pode ouvir as seguintes frases que contém relações causais aparentes: “É seco no sertão do nordeste e lá as pessoas são pobres”. “A África é um lugar de miseráveis pois falta comida”. “Índios usam cocar e andam nus por que não são civilizados”. Tais afirmações comuns postas desta maneira ou de formas mais sutis induzem a um raciocínio causal falso e generalista. Raciocínio este que se aproxima da alienação. A pobreza não é consequência causal da estiagem. Dubai e Israel não me deixam mentir. A miséria e a fome não são constantes no continente Africano, que também não pode ser tomado como um país uníssono, como tampouco, quando existem são causas, mas consequências de um complexo causal. Colocar duas consequências associadas desta forma é além de perverso, uma tautologia lógica. O esquema civilizatório ocidental não cabe aos índios. Esta frase constitui um erro categorial que induz a hierarquização de modos de vida em detrimento de outros. Os exemplos são infinitos de como os meios constroem os discursos e as crianças já munidas de estruturas causais podem associar. A exposição aos jogos eletrônicos constitui, ademais, em umas formas mais diretas de introdução à lógica dominante. Na maioria das vezes tendo como objetivo a competição contra outros ou o acúmulo de pontos ou dinheiro de um dado conjunto de ações, os jogos constituem um microcosmo ideológico da estrutura societária vigente. A lógica da competição é estrutura básica do discurso neoliberal, na qual é justo se sobrepor moralmente à outrem por méritos de qualquer ordem. A competição é individualizante, separa o “eu” do “nós”, reforçando e justificando as diferenças sociais. Neste ponto, a formação religiosa cristã, no caso brasileiro corrobora ainda mais para a introdução de tais dimensões, no sentido descrito por Weber na ética protestante e o espírito do capitalismo. Se deus deu o dom, é natural que eu me sobreponha aos outros ou que se acumule capital. No caso dos jogos, se eu ganhei, logo sou melhor que outrem. Nos jogos de acúmulo, a lógica já é engendrada na forma como a sociedade funciona. Quanto mais acúmulo de riqueza melhor.
Assim, seja no discurso multimodal dos meios de mídia, seja na estrutura da linguagem que cria seus significados, seja por meios de jogos que escondem ideologias, a fase pré-operatória é a mais suscetível na formação de valores nas crianças. Para retomar a função psicogenética neste processo, a criança desde a tenra infância está sujeita e cria esquemas causais aparentes por meio da exposição aos meios de mídia. Dos 2 aos 7 anos este esquema se eleva consideravelmente por uma junção de fatores, nos quais a causalidade emerge como esquema básico explicativo; a explicação é uma necessidade imperiosa, nesta fase, assim como a postura egocêntrica que é reforçada por valores competitivos, estereótipos e causalidade aparente aos quais a criança está exposta em diversos meios de comunicação. Com isso é forte a capilaridade da ideologia dominante na formação – inclusive cognitiva – das crianças no Brasil. Um caso interessante, que embora, não seja brasileiro, está bem próximo pela história da américa latina, ocorreu com uma experiência colombiana. Um grupo de pessoas decidiu criar um dicionário com significados dos verbetes dados por crianças dos 4 aos 12 anos[2]. Para ilustrar esta influência na formação dos significados destaco dois verbetes:
·         Deus: É o amor com cabelo grande e poderes (Ana Milena Hurtado, 5 anos)
·         Água: Transparência que se pode tomar (Tatiana Ramírez, 7 anos)
A exposição à imagens e estereótipos e causalidade internalizam nas crianças e ajudam a constituir seus significados.
Apenas como breve comentário, as fases subsequentes do desenvolvimento cognitivo de Piaget na qual as estruturas lógicas e abstratas serão desenvolvidas, os discursos podem se complexificar, mas mantém em sua estrutura um caráter “formativo” da ideologia dominantes. Já são estudados a tempos os “discursos lacunares”. Nesse, uma série de proposições, nunca falsas, sugere uma série de outras, que o são. Desse modo, a essência do discurso lacunar é o não dito (porém sugerido). Por exemplo, a frase “Todos são iguais perante a lei” apresenta uma verdade, numa sociedade burguesa, mas sugere que todos são iguais no sentido de terem oportunidades iguais, o que é falso, devido à propriedade privada dos meios de produção. Como procurei me centrar nas primeiras fases do desenvolvimento psicogenético, tais estruturas corroboram para um discurso ideológico nas últimas fases e para adultos.
Por fim, de modo metareflexivo, retomando a imagem clássica do clipe da música “Another Brick In The Wall” de Pink Floyd, onde a escola homogeneíza personalidades das crianças, que com seus rostos disformes, marcham em uma esteira e caem docilmente em uma máquina de moer carne na qual saem triturados. Ou no brilhante texto de Bretch “Se os tubarões fossem homens” no qual eles criariam quadros, escolas, religiões, estimulariam competições entre peixes para que todos no final, nadassem pacificamente rumo a suas goelas. A máquina de moer carnes é um símbolo da dilaceração de alteridades, alienação dócil, acriticidade, de sujeitos não reflexivos que consomem e são produtos de uma sociedade brutal e desigual. E neste ensaio procurei mostrar que por várias vias e também pela cognitiva, este processo de entrar na máquina de moer carnes ocorre já com bebês, por meio de uma estrutura educacional derivada de uma história da sociedade brasileira que fez com que famílias delegassem de forma inconsciente a educação de seus filhos às instituições eclesiásticas, à mídia e à escola. E os instrumentos lógicos pelos quais esta deglutição é realizada são a causalidade e o reforço de estereótipos.
Para concluir devo ressaltar, que não se trata este de um esquema generalizante na medida em que a sociedade brasileira é plural, assim como suas famílias. E não devemos cair em uma causalidade aparente na qual a alienação seja causada por este processo, mas não podemos ignorar que ele existe e corrobora para este quadro. Não explorei tampouco, quais alternativas à este processo podem ser tomadas. Não alimento, entretanto ilusões da “educação transformadora”, esta proposição é precisamente um discurso lacunar pois, embora seja verdade que é a educação quem transforma, não o é que ela possa fazê-lo à revelia de decisões políticas, contextos culturais, condições de formação e desenvolvimento familiar e crítico. Assim, o problema se apresenta é muito mais complexo. Contudo, lançar uma possibilidade de interpretação de uma parcela dela pode constituir um movimento positivo.


[1] Para mais informações. Consultar “A inconstância da alma selvagem” de Eduardo Viveiros de Castro.
[2] http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/05/130518_dicionario_criancas_colombia_aw_cc

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