Quando meus olhos
em ti repousaram nada vi.
Sua face humana e
juvenil rasgou-me entretanto,
mais que o mistério
de seu toque nunca tocado.
A plácida ternura
dos curiosos olhando tudo de perto como quem perde os pensamentos no limbo das folhas.
Foste eu a folha e
minhas veias mudariam a cor da fauna em
tons vívidos de amor.
Eras demais para
meu gesto moribundo, vivido, cansado e exasperado de iludir corações alheios
Eu não podia
colocar-te em meu destino apesar da insistência do acaso.
E quanto mais
decidia não te amar mais tua áurea me cruzava.
E a nuvem de teu
cheiro de menina deixava os rastros de teus passos
E por vezes eu te
seguia, Sonho Vivo, e tentava encaixar meus pés onde os teus pisaram instantes
antes
E ao fazê-lo
reproduzia em mim teu ritmo leve e esparso de sonho.
Por vezes eu dormia
no caminho e tocavas no meu ombro me
acordando de um Sonho Vivo
Eu tentava em vão dizer-lhe
coisas sem sentido apenas para que não houvesse entre nós essa distância do
silêncio casto.
Deixei-me nos
bancos pelas ruas para ver se me achavas e
me davas teu sorriso.
Esse sorriso
acanhado contendo o segredo escondido da esperança na raça humana
Dilatando o
universo infinito e ao mesmo tempo o
abraçando.
Quantas vezes recostei-me
nas paredes escondido para te fitar além dos esquadros.
E te via
quadriculado, Sonho Vivo, em um mosaico de tempo e espaço se afastando,
fragmentos de um
desejo qualquer de não te amar.
Sob a árvore descansavas e em dias de verão amarravas a cabeleira longa e suavas de calor
E como a água que
escorre de um sonho,
tua forma era a própria
realidade que o chão absorvia
Esperava que
partisse para, mais uma vez te seguindo, ficar sob aquela árvore
E vi dali como o ângulo
das coisas se curvavam a ti
Vi dali a mancha escura dos quadrados que te olhava,
carentes de luz
E vi dali a verdura
das folhas.
A natureza era a tua
amiga, não a minha
O bosque te
envolvia a fim de proteger contra todas as mazelas a semente da beleza
Eras um sonho,
Sonho Vivo, disputado por tudo
e talvez doarás por
nada tuas retinas à corações foscos.
Teus sorrisos
encontrarão outros sorrisos
E teus passos
seguirão outros caminhos
Os quais jamais
saberei.
Continuarei,
entretanto, pisando no chão como se te seguisse
Por entre o vale
dos desencontros,
Pois para mim em
todo chão estas tu.
Não quero que teus
olhos sofram por amores furtivos
Não quero que tua
lágrima seja real pois se cair a Terra murchará
E estarás indefeso
e tudo será como
tem sido.
Desolação, miséria
e frio.
Guarda-te como
busto incólume a ser olhado
A vida lhe trará
razões demais e quando teu filho levar a primeira advertência do colégio tudo
estará perdido.
Teu sonhinho se
fará pessoa e vais morrer como um raio breve a trazer luz e destruição
Eu entendo, Sonho Vivo,
vieste na melhor hora alertar os seres dos cartões de crédito sobre a beleza
que se apaga
Mas eu não poderei
te amar
Teu feixe de luz
apenas servirá para mostrar o tamanho da escuridão lá fora.
E depois te apagarás
Mas, se um dia
retornares Sonho Vivo,
Pegue o que restar
de mim e minha chaga
E devolva-me o teu
perfume,
Dá-me a seiva dos
bosques por onde andaste
Remonte o meu
mosaico com cuidado para não quebrar-me
Deixe que eu te
toque os ombros e te ensine voz dos homens
O brado fraco e
rouco dos homens.
Me siga pela
escuridão
Caminhe atrás de
mim
Reproduza meus
passos tortos
E sinta meu ritmo
aleatório e bêbado
Subjugue o tempo
para que ele seja nosso
Dá-te a mim como a
semente que és tu
E faça brotar em
minha ruína, a vida.