Bueiros paulistanos inspiram vozes destiladas..

Bueiros paulistanos inspiram vozes destiladas..

23 de novembro de 2011

Um Belo Monte de incoerências

Como o debate a cerca da construção da usina de Belo Monte tem deflagrado um retrato do atual perfil das discussões de interesses nacionais, pessoais e manifestações infladas. Apelo popular, redes sociais, atores globais, índios e consórcios revelam o que afinal? Um retrocesso do debate democrático ou uma manifestação da moderna “democracia-egoposicionada”?


Uns dizem: “coitados dos índios que ali residem”; outros dizem: “ a matriz energética do Brasil é uma das mais limpas do planeta”; outrem dizem: “mas e os ecossistemas e o impacto ambiental?”; outros revidam: “o Brasil precisa de energia, temos que preparar o país para seu posto de economia mundial”; outros ainda: “sou contra, isso é um absurdo!”; outros porém: “temos que fazer”.
Quem são estes tantos outros? Somos nós. Sim, claro, uma multiplicidade peculiar e salutar, mas todo debate inflamado deve ser visto de soslaio.
O Brasil ostenta uma posição de certa forma privilegiada quanto aos créditos de carbono – uma moeda de poluição da natureza que é vendida e comprada de acordo com aquelas que devem ou dispõem de tal – sua matriz energética é considerada uma das mais limpas do mundo. 80%, aproximadamente composta por hidrelétricas. Ao todo são 403 Usinas em Operação, 25 em construção, além dos 3500 registros para possíveis construções (dados do sistema de informação do potencial hidrelétrico Brasileiro). Na região norte, das bacias do Amazonas, Negro, Madeira, tocantins e Araguaia já são várias em operação (como mostra o mapa) cujas áreas alagadas em suas construções são exorbitantes, dado o relevo do planalto amazônico. Diante de tal enormidade de usinas, de um consenso que as fontes de energia brasileiras são limpas, da já atestada incompetência do Conselho Nacional de Pesquisas Energéticas (CNPE) que aprovou a construção das hidrelétricas e da completa inanição da população diante das obras, por qual razão a comoção agora se deu com a Usina de Belo Monte, maior obra do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento)?


Desde dos idos tempos da ditadura, aquela região de Belo monte (que muitos juram ser em Minas Gerais) no alto do rio Xingu no sudeste do Pará, tem projetos de hidrelétricas exatamente pela sua peculiaridade geológica de ter um declive de 90 metros em 140 km (enquanto o Amazonas tem 80m em 3000km). Naquela época porém, a tecnologia e engenharia tinha um layout de hidrelétrica que armazena água e utiliza turbinas Francis (específicas para reservatórios de acumulação) o que levaria ao alagamento de uma área do tamanho do estado de Sergipe.
O projeto foi engavetado após a repercussão internacional do Primeiro encontro dos povos da floresta, em 1989, que reuniu 3000 pessoas (sendo 650 índios). O retorno atual da obra para o aproveitamento do potencial energético daquela área trouxe uma série de reformulações no tipo de produção e na área alagada. O consórcio NorteEnergia, ganhador do leilão de licitação disponibiliza em sua página vídeos sobre a construção e os detalhes tecnicos-ambientais do empreendimento. (http://www.blogbelomonte.com.br/ ). Vale a pena assistir antes de tomar partido. Dentre eles, a diminuição em 50% da área alagada e nenhuma área indígena afetada. Porém os problemas de antigamente persistem.
Recentemente, um movimento chamado Gota D'água (http://movimentogotadagua.com.br ) ganhou notoriedade e ampla divulgação na mídia e nas redes sociais por defender a suspensão das obras de Belo Monte. Há, no endereço acima, um abaixo-assinado popular para esta causa. O movimento que se define como “uma ponte entre o corpo técnico das organizações dedicadas às causas socioambientais e os artistas ativistas” já angariou até este momento (23:55 do dia 22 de Novembro), 1017688 assinaturas. Com campanha encabeçada por atores globais (os que aparecem no vídeo) o movimento lança alguns argumentos incipientes contra a construção da Usina, mas sem dúvida conseguiu apelo popular e grande repercussão.
Um contraponto ao novo projeto pode ser lido na reportagem intitulada “O caso da usina Belo Monte” da publicação Le monde diplomatique Brasil de março deste ano (http://diplomatique.uol.com.br/artigo.php?id=884 ). Vale a pena ler antes de tomar partido. Neste artigo se descortina a história e se coloca os problemas de forma mais consistente que na campanha. Dentre eles estão, o desvio do leito do rio deixará 100km do rio Xingu com 20% da capacidade e neste trecho uma comunidade indígena e muitas ribeirinhas totalizando cerca de 20 mil pessoas que dependem do rio para sua sobrevivência. Além do rio não ter sua capacidade de geração de energia atendida por conta da variação pluviométrica do rio ao longo do ano.
O panorama hoje é: o consórcio (formado por empresas públicas) tem a autorização e laudos para construir, algumas minutas ainda faltam ser aprovadas e os movimentos se mobilizam para frear o empreendimento.
Agora, postos os fatos, se me permitem, caros leitores, preciso tomar a primeira pessoa para discutir outras coisas ainda não apareceram nos debates sobre o tema na mídia. Me pergunto, porque devemos construir usinas? Para gerar energia, óbvio. Mas para quê gerar energia? Porque precisamos. E é aí, quando respondemos “porque” ao invés do “para que” estamos já não respondendo corretamente.
Precisamos gerar energia para sustentar o modo de vida e o desenvolvimento do país. O gráfico abaixo é curioso. Nele podemos ver o quanto de energia cada ser humano do planeta gasta em média por dia, de acordo com o estado de desenvolvimento da nação.


Note que os países ditos de primeiro mundo têm um gasto de energia quatro vezes maior que o da revolução industrial. Sim, nós, o Brasil que se manifesta na internet e não o Brasil ribeirinho ou o Brasil indígena, precisa de energia para abastecer seus carros, para fabricar os infinitos e inúteis bens de consumo. Precisamos de energia para nossas geladeiras, máquinas de lavar, secar, para iluminar nossas casas, ligar nossos Iphones ou smartphones ou ainda alimentar a máquina com a qual escrevemos nossas indignações contra os brasileiros que não somos nós.
Não sei se somos bonzinhos demais em defender aqueles que não tem o que temos de uma usina que irá possibilitar a continuação do que temos sem apagões, ou se somos de fato ingênuos em não olhar para o modo de vida ao qual nos inserirmos e não balizar quantos e quantos quilômetros de áreas foram alagadas para que tomássemos um banho quente; quantos quilômetros de montanhas dizimadas para cederem o concreto no qual habitamos; quantos e quantos rios poluídos por receberem nossos dejetos e de todas as indústrias que produzem aquilo que “precisamos”. Há quem justifique em todos os lados, certos os que querem defender causas ambientais, certo o governo que ambiciona estrutura para seu povo. Errados aqueles que não olham para si como pulverizadores de diferenças sociais. Errado o governo que frauda laudos ambientais em nome da estrutura visada.
O saldo positivo das manifestações na rede é a prova de que podemos abraçar causas e nos aproximar de reivindicações estruturais rumo a uma nova democracia participativa. Assinar abaixo assinados para votos abertos no legislativo, financiamento público de campanhas, urgência na votação de projetos populares e diminuição no número de assinaturas para tais (hoje são um milhão), entre tantas outras coisas que podem desobscurecer o labirinto da opinião pública. O saldo negativo em minha opinião, é ver como há uma suscetibilidade com artistas das novelas, e como se passa adiante aquilo que não foi discutido, Estes artistas, corretos em sua manifestação, sabem que podem muito mais e que seus rostos valem mais do que o edital de licitação das usinas. Encantados pelo alarido dos famosos militamos no conforto dos nossos lares, repletos de bens de consumo.
Exatamente a um ano atras, nesta mesma revista, em um texto de natal, falava eu da mesma coisa: o consumo. Um ano depois, cercado de um debate amplo e de interesse nacional, profícuo para todas estas discussões, regresso ao mesmo ponto. E agora? Enquanto compramos os presentes de natal aumentamos o gargalo energético do país que precisa de mais e mais e mais. E se não tiver, em época de crise energética quem sofrerá? Os artistas deixarão de usufruir de suas hidromassagens? Suas casas de campo e de praia? Suas atuações televisivas ou faixadas luminosas? Não, talvez façam campanha, como fizeram anteriormente, para que você ou eu desliguemos a TV da tomada para que aquela luzinha não consuma mais. Certamente não pedirão para que desliguemos a TV no horário da novela. E nós, aturdidos pelo assombro, assim o faremos. Ou não. Enquanto isso os ribeirinhos existem e os índios também. Ou não. Não sei. O que você acha?

O lado de dentro...sublime

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