Bueiros paulistanos inspiram vozes destiladas..

Bueiros paulistanos inspiram vozes destiladas..

22 de fevereiro de 2011

A Máquina

Manifesto à memória para uma nova relação de consumo

Nos dias de hoje em que a soberania do estado se confunde com a hegemonia das corporações. Em que países africanos e sulamericanos mesmo juntando sua renda não alcançam o faturamento de multinacionais. Nos dias de hoje em que não vivemos mais sobre o assombro bipolar entre o pseudo-socialismo-pragmatista e o germe-de-capitalismo-individualizado; onde há certezas consolidadas sobre o modo como funcionamos em sociedade ocidental. Certezas de onde nossos progressos nos carregaram, e o custo desse progresso nos escapa aos olhos. Nossas revoluções tecnológicas nos impeliram a uma evolução que mecanizou o campo, automatizou a indústria, informatizou os serviços e despejou milhões de pessoas à vala comum dos que não têm o que fazer, ou nem sabem, ou sequer conseguem. Nos dias de hoje, onde as esperanças de igualdade minguam e a culpa recai nos fracos despejados cuja própria incompetência não os permitem ser e ter mais do que têm. Nos dias de hoje em que a ausência de conflitos globais causam uma arrebatadora sensação de segurança e uma mutiladora passividade, é nesses dias que o ser humano entra em crise.

Aqueles que nada têm anseiam por alguém que os mostre o caminho de uma vida possível. Aqueles que têm acesso aos bens de serviços e comunicação desfilam no facebook, twitter e afins suas opiniões introjetadas e estereotipadas integrando o exército da “Geração Tamagoshi”. Aqueles que muito tem, jamais entenderão o quanto R$100 faz diferença na vida de uma família que foi despejada da sociedade. A crise do homem que habita entre os sem nada, os passivos tamagoshis, os utópicos pensadores, e os que podem porque “têm” exige uma diferenciação. Precisamos reaver o embate sobre nossa própria condição, sobre como incorporamos o discurso acrítico e somos perversamente engolidos para o conforto do individualismo sem diálogo. Temos de inaugurar uma nova forma de olhar para as coisas. Se a sociedade de hoje nos diz que somos nós os empreendedores de nós mesmos, de modo que se falhamos é porque não somos bons o suficiente e se ganhamos dinheiro somos mais adaptados do que outrém. Se nos dias de hoje o capitalismo reside na esfera individual, no micro e no macro, temos que subvertê-lo onde nos é possível para que ao menos se enfraqueça essa marcha de corporações que se fundem e se fundem e se fundem até serem inimaginavelmente poderosas e continuarem aumentando a distancia entre os tipos de seres humanos nesse mundo.

Se é nossa a responsabilidade do empreendimento que seja nossa a responsabilidade a de pensar no outro, no oprimido. Esqueçamos as “ações sociais” das grandes empresas. Esqueçamos por ora a falsa democracia que leva perversamente a sensação de poder escolher enquanto as verdadeiras decisões que subjazem a vida estão nas esferas econômicas. Esqueçamos partidos políticos, associações mercantis, conselhos de bairro, programas de tv, cerimonias religiosas e revistas de personalidade. Tentemos pensar no que nós detentores de tanto poder podemos fazer com ele algo incômodo.

Uma das muitas coisas que podemos fazer em nossa humilde escala individual está na memória. Precisamos lembrar melhor. Lembrar que temos sim poder, pois no mundo de hoje quem compra tem poder. No estado do Amazonas, por conta da grande rivalidade entre as tradições folclóricas do Garantido e Caprichoso, o modo de consumo de refrigerante foi modificado. Assim, quem é garantido, representado pela cor vermelha, só toma coca-cola e quem é caprichoso, azul, só toma pepsi. Em pouco tempo as duas marcas de refrigerante lançaram suas latinhas na cor contraria. Coca-cola azul e pepsi vermelha. As marcas se transformaram para sobreviver às alterações daqueles que às mantêm vivas. Há um poder de subversão na consciência de que aconteça o que acontecer, quem deseja continuar ganhando tentará de todas as formas fazê-lo. Acontece, entretanto uma curiosidade perturbadora aqui. A própria população que foi postas a margem pelo novo padrão de produção global, é a que cresce cada vez mais e que não têm condição de comprar uma coca-cola ou uma pepsi e acaba comprando outro produto muito mais em conta. A massa de marginalizados cresce tanto que junta tem um poder de consumo muito grande e a oferta de produtos mais baratos ou genérico aumenta, o que põe em crise a própria industria, que por sua vezes sobretaxará o preço de seu produto.

Notar esse movimento é poder alterar os rumos das coisas e para isso é preciso memória. Cotidianamente vemos notícias envolvendo grandes grupos e empresários. Nossa moral executa o julgamento, mas não transfere na escala macro essa execução. Transferir é deixar de consumir determinados produtos. Isso está ao nosso alcance. Lembremos das coisas e alteremos nosso modo de consumo para que possamos sim afetar àqueles que nos afetam. Prescindimos de memória para lembrar.

Lembremos que o Sr Daniel Dantas, acusado de grandes golpes financeiros em nosso país é envolvido diretamente na compra da Brasil Telecom e do grupo OI e que ter um celular, ou chip, ou linha ou ouvir a radio OI é compactuar desses golpes. Lembremos que o Sr Constantino, dono da viação Cometa e Cia aerea Gol é acusado de assassinato e que enquanto você se espreme em seus aviões ou corre risco em seus ônibus, negociações sombrias acontecem com sua arrecadação para a conta deste homem. Lembremos que uma terceirizada da Nike foi fechada por implantar mão de obra infantil chinesa em sua confecção, e que seu bem pago conforto nos pés não deveria lhe fazer tanto conforto assim. Lembremos que o grupo globo e o grupo abril de comunicações reconheceram publicamente com suas desculpas a interferência direta no futuro do Brasil ao bancarem e ajudarem a eleger o presidente Fernando Collor de Mello, e tomemos também com muita atenção a prova empírica de que em um país onde os maiores índices de audiência são com novelas, futebol e reality-shows, de fato a mídia pode inculcar o que pretende à população. Lembremos e façamos dessa lembrança uma ação palpável.

Lembremos, ademais que já seria justificável a negação de todo bem industrializado de consumo pela própria natureza perversa daqueles que produzem. O radicalismo oriundo desta lembrança levou a guerrilhas e armas de fogo e não barrou seu avanço. Por isso, é hora de lembrar. E lembrar é um ato de consciência e que essa pode ser uma ferramenta de transformação. Lembrar que há sim poder em onde você destina seu dinheiro; que existem cooperativas de pequenos produtores que oferecem bons leites e derivados, hortaliças e frutas, e que você pode não colaborar com o enriquecimento das nestlês, batavos e parmalats com suas vacas geneticamente modificadas; lembrar que podemos sem muito esforço perceber que uma máquina que tritura fruta e sai suco, ou determinadas roupas, ou panificadoras turbo, ou iluminadores ambiente com 6589 cores, ou aparelhos 7 em 1 de ginástica não são coisas imprescindíveis para nossa vida. Alterar esses padrões é implicar uma consciência um pouquinho menos passiva nesse mundo dos dias de hoje. E os dias de hoje necessitam de pessoas mais indócis.

7 de fevereiro de 2011

Bem vindo ao meu mundo!

- Welcome to my word! Bienvenido a mi mundo! Bienvenue dans mon monde! bem vindo ao meu mundo!

Carlos era um cara feio. Mas feio mesmo, vergonhosamente feio, mas não burro. Nunca fora, diga-se de passagem. Era autodidata, aprendeu línguas, filosofia, sociologia, antropologia...gostava de história, política e, embora nunca se enveredasse em bares e ambientes de discussão profícua tinha muitas idéias e opiniões a cerca das coisas. Quase que uma reafirmação darwiniana, sabemos no nosso íntimo que as pessoas feias, muito feias, acabam por correndo à margem na vida social. A história que não nos deixe mentir com os sacrifícios espartanos, ou o imaginário coletivo contido no patinho feio, o corcunda de Notre Dame ou o Slot. Carlos, aliás, já teve estes apelidos ao longo de sua adolescência. Ele tinha sim uns lábios tortos assim como os dentes de cima, era semi calvo aos 15 anos, muitas espinhas, uma magreza esquálida, um olho semicerrado...ainda assim sabia com anos de prática esconder os dentes tortos quando necessário, desenvergar a sobrancelha e olhar olho a olho com para as pessoas. Mas a vida em nossa cultura é dura para os feios. E nessa reminiscência primitiva da natureza humana Carlos foi um menino só...muito feio, muito sabido ...e muito só.

Por vez ou outra Carlos sentia um desconforto com o mundo, um ódio contido contra aqueles que o acometiam, com os produtos de beleza, com os desfiles de moda ou às propagandas que via. Fora suspenso certo dia da escola por emitir os mais absurdos impropérios à uma jovem que queria ser aeromoça. Naquela época, algumas profissões eram escolhidas tipicamente pelo porte físico das pessoas...e claro que Carlos indignava-se com tamanho grau de insanidade...hoje sabemos que isso continua, mas como o mundo é um tanto quanto burro, perpetuou espécies de feios pela pobreza e em qualquer lugar se encontra feios.

Um dia, porém, Carlos teve uma experiência que mudou sua vida. Foi visitar o tio em Minas Gerais. Mas não pense que foi em Minas que as coisas mudaram, aliás como diria o mineiro Guimarães, a mudança não estava na partida nem no destino, e sim na travessia. Ao chegar no aeroporto Carlos sentiu uma brisa confortante. Infinitas pessoas, desconhecidas, saindo de algum lugar e chegando a outro...pessoas perdidas em suas vidas, era a solidão coletiva. Carlos se afeiçoava a essa idéia, sentia-se bem em meio a tanto nada, uma espécie de purgatório onde todos passam e ninguém deseja ficar, mas a vida de Carlos era um purgatório. Aquele se tornou o mundo dele. Após voltar de Minas arrumou uma roupa boa, pôs em prática suas técnicas de esconder os dentes de desentortar os olhos, com seus idiomas fluentes passou facilmente para trabalhar como caixa do McDonalds e ali se tornou anarquista de fato. Além dos livros na estante. Saiu de casa, passou a morar no mundo dele, entre a ASA D e a ASA E. Ganhava ali, comia ali (não na lanchonete a qual tinha certo asco) dormia ali junto com os pernoites por acidente.

No trabalho fazia sua militância política. Na madrugada as pessoas de todas as partes do mundo que desembarcam e têm fome vão procurar algo mais próximo de sua realidade. E nada como uma rede mundial de fast-food para atrair os corpos inseguros e deixá-los como se estivessem em casa. E bem nessa hora, quando se sentiam-se seguras, as pessoas tomavam um susto existencial. BEM VINDO AO MEU MUNDO! Dizia Carlos nos mais diferentes idiomas, alegre e com o sorriso estampado, serelepe e horripilante de quem fere uma alma desatenta. Ele sabia de sua feiura á flor da pele e sorria mais, como se dissesse àqueles comedores mundiais de hamburgueres.....veja como meu mundo é feio!..perceba a feiura do meu mundo! Não se iluda com seus tênis, seus vestidos e suas milhas aéreas...você é turista? Veio ver coisas bonitas? Então está aqui o meu cartão de visitas!

Longe do olhar do gerente, que nunca olha de frente seus funcionários, assim como as câmeras que sempre vêm de dentro pra fora...Carlos estava dentro, infiltrado em meio a jovens buscando alguns trocados para irem ao McDonalds no fim de semana com suas paqueras...quem via de fora o via e se assustava. Vez ou outra esbaldava-se de felicidade quando percebia deixarem de comer seus lanches após pegá-los de suas mãos com afastamento ... sorria pela alma. Aquele era seu mundo e no seu mundo ele era o presidente anárquico e cidadão cosmopolita, ele ria como quem ria dele quando jovem. Ele era a ânsia do mundo dos outros. Um toque de realidade ao universo distante das valises ambulantes. Bem vindos ao mundo!!!



O lado de dentro...sublime

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