Era um coração bom, de uma pessoa que gostava de fazer bom uso dele. Uma pessoa normal, afeiçoada às paixões. Um coração desses, mesmo pequeno, trabalhava bastante. Era um coração vermelho estampado em pele morena, muito bem guardado na dobra entre o quadril e a perna, num lugar quente e acolhedor, morando ao lado do sexo. Quando ela andava o coração pulsava e em noites de frêmito o coração suava. Há quem pense ser este um conflito constante para aquele bom coração. O amor e o sexo podiam caminhar lado a lado? Eram vizinhos, dividiam o mesmo corpo, mas não dividiam as mesmas coisas. A dona daquele coração bom parecia mergulhada em conflito, como a própria estampa de seu corpo estampava também sua cabeça. Talvez fosse isso o que a tornava exposta, frágil e dona de um bom coração.
Um dia seu coração lhe apontou um homem bom. Um homem que sua intuição conferiu a possibilidade de se entregar. E quando um coração bom se entrega as coisas são boas, fluidas. Aquele homem cuja parte sobre o coração escapava a muito, não se sentia responsável pelo que cativava. Mas um bom coração bom que se entrega se aperta mais, se espreme, quer ter dono, deseja ardentemente que o tomem e o ninem como criança. E ele queria sim, sentiu que podia ter seu dono. Uma ingenuidade de um coração bom que se movimenta bem. Todas as pulsações dele eram fortes, vorazes e a cada dia que passava aquele homem se sentia cada vez menos capacitado para assumir um fardo que ele não achava justo, tomar conta de um coração bom.
Cada vez mais desamparado aquele coração recorreu a algo que nunca antes recorrera. Como que em instinto de mulher o coração resolveu ser mais vaidoso. Produzia-se todo aquele corpo de mulher, buscava o plástico, o lábio bicolor, os pelos retirados, o perfume que escondia o cheiro de libido que aquele coração bebia todos os dias no calor da virilha. Mas foi um ledo engano, não era isso que tornaria aquele homem encorajado a niná-lo. Nem aquele homem sabia ao certo o que fazer. Sabia sim, de uma coisa. Não podia ser dono de nada, nem de nenhum coração. O que podia fazer era regá-lo de bons sentimentos, mas ele se assustava acima de tudo.
Como se tivesse demorando, a dona daquele coração bom mergulhou de novo no seu conflito. Seu coração se consumia em cada atrito, arfava, adorava se viciava em longas horas exposto ao ar, ao sal e á pele. Isso movia a dona daquele coração a cada vez mais se embelezar. Ao mesmo tempo aquele frágil coração se sentia desamparado, mas culpado sobretudo por um dia ter expectativas demais. Isso movia a dona daquele coração bom a ter medo, se recuar, chorar, insegurar-se. Aquela definitivamente não era uma situação boa a qual um bom coração deveria passar. De fato o conflito só podia ser resolvido com uma decisão. O coração bom decidiu se embelezar, suprimir a insegurança e substituí-la por adornos de beleza.
Uma linda mulher em dia de banho, espantando seus fantasmas pelo ralo do box num sábado de calor. Ela estava com aquele corpo a mostra de si mesma. Num preciosismo de vaidade entretanto a gilete que cortava sua virilha lhe cortou o coração. O que ela queria com aquilo, antes de se ferir? Queria que apenas afagar seu coração bom com um colo e um calor que só dois corpos podem dar. Queira se convencer do que escolhera, mas se feriu. Queria suprimir sua razão, mas se feriu pela escolha exata que fez. Naquele dia seu coração chorou sangue escorrendo pelas pernas, ferido a próprio punho e à própria escolha. Aquele choro se espalhou e aquela mulher tão linda a ponto de espalhar sofrimento se derramou. Enquanto aplicava o curativo decidiu se curar. Saiu à rua sob outros ventos.