Jilin, China, 28 de maio de 2003.
Querido Tài Tai,
Desculpe a demora em lhe escrever. Isso se deveu, primeiro, aos acontecimentos que se sucederam aqui – e você deve ter ouvido – e, segundo, para que possamos deixar a folha repousar depois da tempestade e enfrentarmos juntos nossa distância.
Um dia, quando você tinha por volta de dois anos, papai pisou sem querer no se dedo do pé. Você chorou e ele o deixou chorar até cessar. Depois disso, você ficou uma semana sem rir. Lembro-me de mamãe ter dito “menino de força”. Vejo você ainda desta forma. Uma vingança sobre a qual não quero me estender nem lembrar. Estimo muito Tung e recuso-me a crer em tamanha crueldade que o levou a fazer isso e a narrar como me narrou.
Suas asas estão livres, espero apenas que elas não o conduzam às prevaricações as quais tenho lido. Tenho plena certeza de que isso não se repetirá e Tung, por mais amiga que seja, é ainda uma mulher da vida, desprovida de perspectivas duradouras. Espero que possamos ter boas notícias em nossas próximas cartas. Falo isso por não trazer boas notícias agora e por acreditar em suas cartas e que poderei escrever-lhe mais.
Comentei na última carta que receberia a visita de Aiko naquela noite. Isso aconteceu e pude saber muito dos acontecimentos que sucederam à nossa família desde que saímos. Inclusive as dores que cercavam nossa família com a perda de nossos irmão e mãe enquanto estávamos longe. Infelizmente, tenho pouco tempo para lhe contar e me dói bastante. Confesso que minha intenção ao encontrá-la era fugir dos acontecimentos e acabei me aprofundando muito mais neles. Naquela noite, Aiko me falou de uma jovem que esteve com o papai logo depois que mamãe nos deixou. Não falava com as pessoas e apenas ficava uma noite dentro de nossa casa e saía. Seu nome, segundo as poucas coisas que papai disse sobre ela, era Xiao. Nunca ele revelou que tipo de relação eles tinham. Entre papéis velhos de sua caixa, eu encontrei esse mesmo nome com um endereço e me dispus a encontrá-la.
Vim até Dandong, onde estou até agora, e não encontrei Xiao pelas pesquisas que fiz. Apenas algumas informações perdidas. Por isso me ausentei de te escrever. Estava tentando encontrar a única pessoa que esteve com nosso pai quando ele estava só. Entretanto, essa minha busca parece ter levantado poeiras até então bem quietas. Falo com Aiko uma vez por semana e nesta última ela me disse que pessoas estranhas com aparência de coreanos vizinhos estiveram perguntando por mim lá. E eu aqui do lado deles tentando procurar esta pequena. Não sei quais as circunstâncias que envolvem estes encontros com Xiao, mas tenho certeza de que é algo que requer sigilo. Ainda mais com as situações envolvendo a Coréia do Norte. Tenho até medo de escrever livremente.
Aqui, os chineses estão todos preocupados com as notícias vindas da Coréia do Norte. Depois da retirada do pacto nuclear, tudo se deu de forma muito corrida. Estão dizendo que eles já têm bomba atômica – não sei o que estão noticiando por aí, mas aqui não há dúvidas sobre as bombas atômicas do outro lado do rio. Conversei com o moço do correio, que diz não ter dúvidas de que foi nosso país que forneceu as informações e equipamentos para eles logo depois da intervenção, depois da guerra da Coréia. Você ainda não era nascido quando isso aconteceu e nem eu me recordo de tão pequeno. Vejo ao longe, do outro lado do Yalu Jiang, uma certa tranqüilidade na fronteira. Espero em breve voltar para nossas montanhas e descobrir a verdade.
Sei que retornarei para casa e tentarei descobrir o que cercavam esses encontros. Confesso que estou com medo. Precisarei de sua ajuda, inclusive se me puder enviar um pouco de dinheiro para estas investigações. Continue rezando por mim.
Um grande abraço de força e de coragem.
Lao Peng Li