Bueiros paulistanos inspiram vozes destiladas..

Bueiros paulistanos inspiram vozes destiladas..

17 de março de 2008

Repulsa

Chegou em casa, jogou os cobertores no lixo, os lençóis, as fronhas; livrou-se do cheiro acreditando transgredir o esquecimento...revolucionar o espírito. Esqueceu-se, entretanto, que a cama não mudara, tampouco o quarto ou mesmo sua vida. Não havia revolução alguma, não havia esquecimento. A presença ali, o registro estático daquele lugar em suas retinas provocara o oposto de sua intenção, uma dolorosa e perturbadora dor. Havia dor.

Deitou-se. Olhos abertos para o teto, cheiro de amaciante no lençol trocado, pele alva, nua e trêmula sem outro cobertor. A luz difusa de um apartamento do outro lado da rua foi a única a ver as lágrimas correndo naquele rosto imóvel. A cidade transpirava.

Repulsa. O pensamento uno e triste daquela memória:
"Ela nunca mais põe os pés aqui! Não a deixarei entrar de novo em minha vida, muito menos mexer comigo". No poço dos olhos, havia angústia. Encolheu-se... O frio chegava lentamente. O medo, a revolta e a vontade de livrar-se do pântano de pensamentos os traziam mais fortes que as marteladas do frio em cada poro de seu corpo. Tanto tempo, tanta vida, tanta hipocrisia, tanta mentira...os pensamentos doíam, todas as palavras vãs, os olhares enganosos, os sorrisos falsos...tudo aquilo que acreditava ser certo, ser verdade, traduzia somente uma coisa... a angústia.

Fez o que tinha que fazer (alívio!)
Havia muito mais o que fazer (dor)
O que ao certo não se sabe (dúvida)
Ela não entra mais aqui (reação)
Na, não, não (incerteza)
As coisas vão mudar (fé)
Preciso somente esquecê-la (alívio)
Preciso esquecê-la (dor)

As idéias se encontravam dentro da cabeça agitada... impassivas, não se conversavam. O corpo tremia, dessa vez por força dos choques atrás dos olhos. Incômodo...insônia...pôs-se de pé, caminhou morbidamente até a sala. Parou e encarou o espelho, esperando respostas. E as respostas obtidas vieram em choro. Ela tentou se livrar e, entretanto, continuava lá... as mesmas palavras...angústias...olhares...lá estava ela de novo...e o cheiro voltara.

O lado de dentro...sublime

O lado de dentro...sublime